Este sexto e último nível semântico era de tal modo imperceptível que apenas encontrou-se ao concluirmos as nossas análises. Uma das razões foi que não afectava categoricamente qualquer traço heráldico como cores ou formas, redundante com tudo aquilo que tínhamos já tratado antes. Para este nível usámos o cognome de Eduardo - o Confessor - que poderemos classificar no género antroponímico relativo à metonímia do referente. É interessante observar que, comparando-o às outras descrições utilizadas: Rei, Santo, Eduardo e winchestrense, será este o mais característico. Os demais apenas fazem sentido quando reunidos mas “o Confessor” tem a qualidade de poder evocar facilmente a nossa referência, Eduardo, mesmo quando sozinho, porque existiram muitos outros reis, santos, Eduardos e winchestrenses.
Como não resultou nenhum efeito heráldico deste nível deveríamos duvidar da adequação de considerá-lo na análise. Uma grande virtude seria despistar quaisquer incompatibilidades entre os diversos níveis. Obviamente isto será mais vantajoso se detectado durante as etapas analíticas iniciais. A parte mais difícil dos nossos estudos é a recolha de parofonias razoáveis, que combinem-se adequadamente umas com as outras ao integrarem um enredo heráldico. No início de cada investigação, quando nada se sabe sobre a motivação dos traços heráldicos, uma vez que se encontre um direccionamento tendencial, todos os níveis semânticos estão obrigados a obedecê-lo.
Um benefício adicional será determinar se um tal comportamento reproduz-se consistentemente no nosso corpus, levando eventualmente à descoberta de outras associações, apenas aparentes pela observação das ocorrências como um todo. Foi este o procedimento que nos permitiu identificar a maior parte da estrutura implícita nas parofonias, desenvolvendo as tipologias que nos auxiliaram a estabelecer vínculos comuns a armas distintas.
A organização motivacional é muito peculiar neste exemplo das armas de Santo Eduardo, uma vez que o enredo parece criado por dois autores distintos, separados por centenas de anos. O mais antigo, ligado à representação numismática, refere Eduardo como rei; o mais recente descreve a sua glorificação como santo. Se não soubéssemos da existência das moedas tudo seria muito mais difícil. O exame semântico poderia desviar-se para soluções diferentes, presumivelmente piores, ou até deter-se porque, por exemplo, a palavra anglo-normanda mais usada para designar um soberano era rei e não roi.
A parofonia encontrada é Confessur (ano. Confessor) ~ Qu'hom fait sur (ano. que se faz sobre). A forma moderna em francês, qu'on, dissimula a origem da palavra, ligada a uma forma impessoal de hom (ano. homem), actuando como “um” ou “nós”. A frase está incompleta e devemos buscar o termo que consumará o seu possível significado. No presente contexto poderemos apenas sugerir o substrato heráldico para esta função. Após determinarem-se todas as figurações e esmaltes tudo o que precisamos fazer é desenhá-las e pintá-las sobre o escudo. Este é o tema que qu'hom fait sur justifica.
O índice de discrição totaliza k = 0,14 e a média aritmética de todos os seis níveis é k = 0,08, um resultado extremamente baixo, talvez indicando que a maior parte, senão mesmo todas as soluções propostas, não poderão ser melhoradas no que se refere à parofonia. Note-se que esta metodologia não fornece provas específicas para quaisquer proposições parofónicas. Estabelecemos apenas que o conjunto de propostas para um mesmo brasão com os respectivos níveis semânticos poderá eventualmente considerar-se como coerente e portanto quase impossível de considerar como estatisticamente fortuito. Mas mesmo assim é impossível garantir que um ou dois destes níveis não estejam equivocados.
É decerto importante encontrar outras representações heráldicas que repitam o mesmo tipo de associações e comportamentos visuais para garantir uma justificação válida. Será contudo preferível utilizar evidências históricas triviais como documentos e artefactos. Isso nem sempre é fácil e virtualmente impossível para as armas de fantasia, como estas que acabámos de estudar agora.
Repare-se que tomámos os fonemas [Om] emparelhados com [Õ], o que poderá parecer estranho. Na realidade, [O] e [m] são dois fonemas distintos mas terão necessariamente de ser comparados com a nasalização [Õ], uma sonoridade elementar. Se obedecermos cegamente à metodologia, ao usar-se o emparelhamento formal [Õ][_] ~ [O][m], obteríamos penalizações excessivamente altas durante o cálculo de k. O efeito numérico no índice de discrição seria o mesmo que, digamos, [Õ][_] ~ [O][s], o que é inaceitável. O mesmo critério foi aplicado antes com [tS] e [S] para a parofonia Itchen ~ I chenne.
Terminamos assim esta análise, uma das mais difíceis que já fizemos, com o número recorde de seis níveis semânticos. Esta foi a mesma quantidade encontrada nas armas primitivas dos reis de Portugal, que consumiram a maior parte do nosso tempo e empenho. Serão verdadeiros? Não sabemos, mas lembrando que todos os seus índices de discrição são extremamente baixos e que os níveis semânticos interagem coerentemente, a resposta tenderá a ser afirmativa.
Introduziremos algumas ideias relativas a uma justificação probabilística. Tome-se a parofonia Seint ~ Cinq como exemplo e tentem-se encontrar “trocadilhos” com Cinq ou equivalentes como “V”, “B”, “quinteto”, “quina”, etc., a emparelhar com outras palavras em francês arcaico, relacionadas de algum modo consistente com Santo Eduardo. De modo a compatibilizar-se com a nossa análise o índice de discrição não poderá ultrapassar 0,2. Para simplificar usam-se apenas parofonias elementares incluindo apenas uma palavra. Asseguramos que não será possível achar tantas mas suponha-se por exagero que encontrámos dez parofonias viáveis. O próximo passo é dividir dez pelo número de palavras existentes no francês arcaico usadas por um falante ordinário; digamos cinco mil.
Portanto, também de uma forma simplificada, a probabilidade de que esta solução parofónica derive apenas da sorte é cerca de 10/5000 = 0,002 ou 0,2% (num hipotético espaço amostral equiprovável). Se estendermos este resultado a seis níveis semânticos distintos e independentes, a eventualidade de uma coincidência simultânea valeria 0.002 × 0.002 × 0.002 × 0.002 × 0.002 × 0.002 = 0,000000000000000064 = 0,0000000000000064 %. Naturalmente, se tomarmos parofonias compostas devemos levar em conta todas as combinações possíveis, duas a duas, três a três, etc. O resultado seria ainda mais pequeno devido à enorme dimensão do divisor. Como se entenderá, esta é uma abordagem abreviada construída com elementos pouco complexos e idealizados. Mas é fácil de entender e oferece uma visão racional das ordens de magnitude envolvidas.
Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (VI) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Eduardo o Confessor | ||||||||||
Antropónimo | M | Confessor | ||||||||||
Língua de Conquista | V | Anglo-Normando | ||||||||||
Denominante | A | Confessur | ||||||||||
Grafemização | A | C | O | N | F | E | S | S | U | R | ||||||||||
Fonemização denominante | A | k | Õ | f | E | s | y | R\ | ||||||||||
Emparelhamento | A | k | Õ | f | E | s | y | R\ | ||||||||||
A | k | Om | f | E | s | y | R\ | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0 | 1,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,14 | ||||||||||
Fonemização designante | A | k | Om | f | E | s | y | R\ | ||||||||||
Grafemização | A | Q| U' | H | O | M | | F | A | I | T | | S | U | R | ||||||||||
Designante | A | qu'hom fait sur | ||||||||||
Abrangente | E | qu'hom fait sur | ||||||||||
Monossemia simples | S | que se faz sobre (o escudo) | ||||||||||
S | qu'hom fait sur | |||||||||||
Esmalte | H | De azul | ||||||||||
Número | H | uma | ||||||||||
Figuração | H | cruz | ||||||||||
Aspecto | H | florenciada | ||||||||||
Esmalte | H | em ouro | ||||||||||
Localização | H | acantonada de | ||||||||||
Número | H | quatro | ||||||||||
Figuração | H | merletas | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | mais outra | ||||||||||
Localização | H | em ponta | ||||||||||
Número | H | todas | ||||||||||
Esmalte | H | do mesmo |
(próxima análise neste blog aqui)