P: Como se justifica o uso do latim nas parofonias heráldicas?
R: À primeira vista parece injustificável a utilização do latim medieval na heráldica, uma vez que não há menção do seu uso em quaisquer armas falantes. Convém, contudo, esclarecer que a “decisão” de classificar um brasão primitivo como falante, ocorre muito depois do mesmo ter sido criado. A sensibilidade do classificador era afectada por expectativas e condicionantes que, quase certamente, excluíam o recurso a uma língua estranha à própria nas suas cogitações. Não nos esclarece sobre as intenções ou conformidades dos restantes brasões, ainda se na área de influência limitada de cada um, possa ser coerente, pela maior parte, com a interpretação do método parofónico aqui proposto.
Torna-se fundamental compreender que a ambientação cultural sincrónica restringe a forma acabada do escudo. Um estreitíssimo espaço de tempo, durante o qual desenvolvem-se os traços heráldicos a integrar na composição final, delimita a identidade dos autores, seus domínios, vassalagens, genealogias e também as formas de comunicação. É bem sabido que o latim foi outrora a língua de eleição para os documentos escritos, mormente nas regiões em que se estabeleceram os romances. Nada mais natural empregar-se o mesmo idioma naquela outra forma de expressão igualmente escrita, apesar da ênfase visual: as armas falantes.
Chamámos língua-franca a este modo de verbalização parofónica, imitando no sentido lato uma terminologia já consagrada. O latim medievo era, efectivamente, um facilitador entre povos de línguas distintas, harmonizando o intercâmbio de informações, ideias e tradições religiosas, científicas ou literárias. Enquanto para certas culturas vai sendo substituído a pouco e pouco pelo romance, como em Portugal, noutras convive com várias influências: o anglo-normando e o inglês acompanham-no em Inglaterra. Diferente do latim clássico, muitas vezes representa o que se escreve de facto, integrando novos elementos fornecidos ao vocabulário local por fontes próprias ou até culturas alheias. Poderia apresentar ainda outras vantagens; sendo uma língua declinada mas isenta das restrições frásicas ao usar-se nas parofonias heráldicas, assistem-lhe algumas liberalidades construtivas, a facilitar o emparelhamento fonémico. Não sabemos dizer se haveria qualquer outra regra explícita na escolha do latim, para além da preferência pessoal do autor do brasão ou o maior ou menor oportunismo circunstancial na formação da parofonia.
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