Uma primeira aproximação ao problema é tentar saber tudo o que já se disse sobre ele. Isto poderá apresentar grandes dificuldades; as imagens heráldicas mais conhecidas terão vários aspectos inconclusivos, levando a curiosidade dos investigadores a produzir regularmente tentativas de explicação. Poderemos simplificar a tarefa limitando-nos à produção académica, mas a necessária contenção das suas proposições irá contrapor-se à tentadora prodigalidade dos investigadores independentes, bem presentes nas pesquisas heráldicas. A melhor estratégia talvez seja consultarmos de início um trabalho mais genérico, mas bem estabelecido, que resuma o estado da arte e, se possível, os últimos avanços. Em segundo lugar deveríamos ler tudo o que aborde os temas particulares que se evidenciem no decorrer dos trabalhos, tanto nos seus pressupostos como nos seus desenvolvimentos. Finalmente não se deverão rejeitar os géneros mais ligeiros que venham a lançar alguma luz sobre os mesmos assuntos. Resumindo, ler o mais possível referenciando apenas o essencial.
Mas a inquirição não se esgota aqui. Para além do que está escrito devemos interessar-nos também pelo que está representado. Os armoriais, cartas de armas, pedras de armas, artefactos, etc. são preciosas fontes de referência iconográfica, mesmo quando o eventual conteúdo deixe a desejar, não nos isentando por este motivo da necessária crítica. É imprescindível assimilar bem a aparência do brasonamento que se está estudar e as suas variantes cronológicas, genealógicas e culturais. Será também de ajuda a recolha de outras representações iguais ou semelhantes que possam servir de instrumento comparativo, caso as figurações correspondentes apresentem quaisquer caracteres que as distingam do habitual, mesmo em pormenores que pareçam insignificantes à primeira vista. Um leão rampante será, por certo, banal mas já não o será ao esmaltar-se em púrpura.
Outra face da mesma moeda é o conhecimento dos modos e meios de representação, a própria actividade produtiva do mundo medieval. Ao evoluirmos para a noção semântica dos traços heráldicos e dos seus designantes será necessário saber como aquele determinado desenho e esmaltes ajustam-se ao que se procurou estabelecer a montante. Mesmo sem nos aplicarmos a conhecer os diversos aspectos do domínio ideográfico na Idade Média, o estudo pormenorizado de certas figurações excessivamente geometrizadas, pode ser um desafio intimidativo.
Também será vantajoso consultar de viva voz quem esteja de algum modo vinculado pelo interesse pessoal ao nosso problema. As lendas e narrativas familiares, mesmo que pareçam não oferecer qualquer credibilidade, devem ser encaradas com o respeito, estima e reverência que o acumular dos anos lhes confere, sem por isso descurar-se a imparcialidade, integridade e objectividade da pesquisa. É inquietante a quantidade de informação perdida com a passagem das gerações e teremos, de algum modo, o dever de preservá-la por escrito. Interessa ressaltar, examinando retrospectivamente o que já fizemos neste campo, a preciosa contribuição destas narrativas para a emergência de pontos em comum que, de outra forma, apareceriam algo desvinculados.
Parte nuclear da nossa tese, a metodologia que ali desenvolvemos foi a ferramenta que permitiu alcançar com sucesso os resultados desejados. Nesta série de artigos iremos dissecar a aplicação daqueles métodos. A sequência utilizada ainda é a mesma preconizada nas Indicações Práticas da secção 3.2.2 da dissertação, se bem que alguns passos tenham sido condensados e outros desdobrados para maior clareza. O objectivo é permitir que outros consigam não apenas assimilar como também reproduzir os resultados já obtidos, auxiliando ademais à obtenção de outras conclusões ainda inéditas.
Apesar do método já ter sido usado de forma exploratória em outros contextos, será sensato limitá-lo, o mais possível, aos objectivos iniciais, ditados pelas circunstâncias específicas da tese, ou seja, escudos criados durante a Idade Média com âmbito de jurisdição territorial. Excluem-se assim, à partida, os timbres, diferenças, emblemas, bandeiras e empresas, bem como as armas eclesiásticas, institucionais e corporativas, entre outras. Não nos debruçaremos aqui nos procedimentos específicos da metodologia científica propriamente dita ou nos fundamentos da modelização, destinados a validar o processo como um todo, limitando-nos aos aspectos mais práticos que se possam aplicar à solução de cada problema.
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