Quarta-feira, 29 de Agosto de 2012

Armas Primitivas de Portugal e Leão: Um Artigo

Portugal Antigo

 

Estudos de Heráldica Medieval

Tive a honra e o privilégio de ser incluído entre os autores da colectânea de textos da obra Estudos de Heráldica Medieval. É uma edição do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e do Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos da Universidade Lusíada de Lisboa, publicada pela Editora Caminhos Romanos com a coordenação do Prof. Doutor Miguel Metelo de Seixas e da Profª Doutora Maria de Lurdes Rosa.

Será apresentada no próximo dia 14 de Setembro pelas 19:00h na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, integrando-se no Dia Aberto de Heráldica Medieval, promovido pelo IEM, CLEGH e Instituto Português de Heráldica. A programação tomará todo a jornada: de manhã, a partir das 10:00h na Universidade Lusíada de Lisboa (Rua da Junqueira 188 a 198, Auditório) e à tarde, a partir das 15:00h, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (Avenida de Berna, 26-C, edifício I&D, sala Multiusos 2, piso 4).

 

Armas Primitivas de Portugal

A minha modesta contribuição Armas Primitivas de Portugal, novos Contributos, é uma tentativa de resumo do trabalho desenvolvido durante a tese de mestrado. Esta achava-se já algo ultrapassada pela investigação entretanto levada a cabo, contudo ainda pouco conhecida em muitos meios especializados. Corrigem-se ademais algumas imprecisões e acrescenta-se o importantíssimo nível semântico correspondente ao nosso primeiro rei além de outro referente à sua morada, este último de aceitação ainda muito incerta. Paralelamente desenvolvem-se considerações semelhantes sobre as armas dos reis de Leão, que parecem partilhar algum comportamento estrutural e possivelmente traços heráldicos idênticos.

O núcleo das armas primitivas dos reis portugueses encontra-se já bastante bem estudado por mim pelo que é possível dizer com alguma segurança, necessariamente sustentada por evidências históricas referenciadas, que deverão de facto corresponder a uma intenção parofónica de quem quer que tenha sido o criador do brasão, ao que parece ainda durante o reinado de D. Afonso Henriques. Julgo assim razoavelmente demonstrados os seguintes traços heráldicos e respectivos níveis semânticos:

Os onze "besantes", correspondentes ao Rio Mondego,

O esmalte azul do campo dos escudetes, representando a Cidade de Coimbra,

Os escudetes, associados a D. Afonso Henriques.

Discutem-se ainda o número, disposição e orientação dos escudetes bem como o esmalte do campo, carecendo ainda de mais testemunhos que possam amparar ou refutar as análises ali feitas. Lembro que o texto da tese pode ser descarregado no menu ao alto desta página (download), encontrando-se também aí algumas respostas às objecções mais frequentes (discussão). Comparecerei ao lançamento do livro em Lisboa, ficando então às vossas ordens para quaisquer perguntas que possam adequar-se àquela ocasião.

 


Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 21:59
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Terça-feira, 28 de Agosto de 2012

Eduardo o Confessor: Esmalte Ouro

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia

 

Falantes mas ...

Chegámos finalmente ao ponto em que se consideram os esmaltes. Qual é a certeza de que esta suposta parofonia aplicada às cores é suficientemente razoável para ser aceite? Por quê não se atribuem os esmaltes a uma propriedade natural das entidades que se vêem delineadas nos brasões? Infelizmente as coisas não são assim tão simples. Ninguém poderá assegurar que esta ou aquela imagem é falante, por exemplo. Mesmo representações “óbvias” como as usadas pelos Reis de Leão (De prata um leão de púrpura) viram contestado o seu estatuto falante. Alguns autores afirmam que este leão pode muito bem representar a força e o carácter do rei, em vez de um trocadilho que lembre o nome do seu reino: Llion llion (leo. leão). É matéria de interpretação pessoal, que coincidirá ou não com as intenções primitivas.

É perfeitamente admissível que as cores sejam falantes, mesmo sob um ponto de vista tradicional. Aparecem normalmente na forma de esmaltes plenos como em Rossi ~ Rossi (ita. vermelhos), onde o vermelho que ocupa todo o campo do escudo transforma esta evidência em inevitável explicação. A metodologia parofónica permite um domínio de interpretações mais completo, explicando mesmo pequenos pormenores cromáticos, de outra forma menosprezados. Por outro lado, o que parece ser um esmalte natural e desenxabido poderá esconder um significado surpreendente e inesperado, como o campo azul usado nas armas dos reis de França. Naturalmente, a maior parte das figurações heráldicas apresenta as suas cores naturais.

 

Leões Azuis e Águias Púrpura

O que torna  algo irrazoável a negação deste tipo de fenómeno é que as armas falantes são percebidas como uma manifestação heráldica geral e reconhecida. Portanto, se ocorre noutras ocasiões deveria também ocorrer neste caso particular. Pode dizer-se o mesmo acerca da parofonia, com a diferença de que aqui o universo alcançado é bem maior. Poderá influenciar cada um dos aspectos do brasonamento: figurações, separações, atitudes, esmaltes, etc.

Não resta praticamente nada para uma escolha arbitrária, cada traço heráldico parece propenso a uma intenção parofónica deliberada ou resultar de uma imanência dos outros elementos já representados. Mas se por acaso encontrarem-se leões azuis, águias púrpura ou céus verdes, acreditem, haverá aí mais do que uma simples arbitrariedade estética. O homem medieval não era tolo ou ingénuo, como alguns poderão comodamente pensar, talvez a justificar a insanidade e insensibilidade dos nossos tempos.

 

A Cruz Dourada

Devemos abandonar as nossas generalizações e voltar à cruz e aves de Santo Eduardo. Notámos anteriormente que o esmalte dourado poderia ser o mais apropriado para a nossa cruz. Madeira, ouro, latão ou bronze conviriam perfeitamente ao artefacto e poderiam de facto ser a motivação por detrás das cores. Mas antes já tínhamos proposto que os quatro lises nos braços da cruz  seriam os mesmos presentes na Coroa de Santo Eduardo. Não se poderia assumir que o resto do material da cruz fosse também em ouro, afinal um tipo de amarelo - caso encerrado - ou talvez não? Sim e não. Aceitamos que a cruz que aparece nas armas de Santo Eduardo seja feita em ouro. Não devemos, contudo, recusar outras contribuições parofónicas que abranjam esta propriedade da cruz heráldica desde que não haja conflito. Trata-se precisamente disso, o que explicitaremos mais abaixo.

 

Da Cor das Andorinhas

Depois destas considerações sobre a cruz volvemos a nossa atenção para os pássaros. As merletas heráldicas usadas em Inglaterra inspiraram-se nas andorinhas, uma ave gregária bem conhecida, com um bico pequeno e patas diminutas, de tal modo que quase não as vemos, seja na vida real seja nos desenhos simplificados da heráldica. Não existem contudo andorinhas amarelas e mesmo pássaros inteiramente dessa cor são difíceis de encontrar na Europa.

O facto de que as merletas representam pássaros em geral não ajuda muito pois aparecem em variados esmaltes. As armas de fantasia de Sussex que incluem seis merletas - três, dois e um - aparecem em documentos tardios e é difícil chegar-se a qualquer conclusão formal a partir daí. Parecem inspirarem-se nas armas estudadas neste artigo e mencionamos a parofonia Sussex ~ Suos (lat. seus) sex (lat. seis), que poderia referir alguém em particular. Talvez o autor não conhecesse ou ignorasse a parofonia - Seint ~ Cinc - aplicada a Eduardo e por conveniência admitisse seis elementos no bando de aves, usando o Latim como instrumento arcaizante. Se aceitarmos esta inspiração, as armas poderão datar-se como posteriores ao século XIV. Os restantes aspectos desta representação devem deixar-se para uma pesquisa posterior.

Na generalidade poderíamos admitir que quaisquer andorinhas castanhas pudessem ser transformadas em ouro, uma suposição pertinente, ou que o brilho da cruz em ouro se reflectisse nas merletas. Também poderia ser entendido por alguns como derivado de um nimbo cruciforme formado pelo aro da moeda e pela cruz, o todo a espalhar algo da claridade para as pombas; mas não existem cores nas moedas e Eduardo não era ainda reconhecido como santo.

 

O Rei em Winchester

Deixem-nos ainda fazer mais uma observação sobre a metodologia parofónica. A vasta maioria das metonímias do referente são de carácter geográfico e ainda não aplicámos nenhuma. Por quê será? Provavelmente porque estas armas baseavam-se numa representação numismática e que estas demandassem uma inspiração distinta. Lembramos que as três metonímias já encontradas baseavam-se na antroponímia - Edouard Et due harde - e na condição de Eduardo - Seint Cinc e C(e)roi Crois. Isso é decididamente surpreendente se formos compará-las com as representações típicas e ainda mais seria se não existissem parofonias suplementares e consequentemente quaisquer metonímias geográficas.

A capital de Eduardo o Confessor era Winchester e apenas mais tarde com a conquista normanda iria transferir-se para Londres. Já vimos nas armas de Sagremor - Aquincenses Ac quini sentes - que estes demónimos podem ter um papel importante para traduzir o referente em imagens. Esse também é o caso para o Rei Eduardo, não na forma plural usada para o cavaleiro húngaro imaginário mas apenas como mais uma circunstância da sua vida: alguém que viveu em Winchester. Note-se que Eduardo não nasceu ali; a parofonia está ligada à cidade como capital do Reino, não ao local de nascimento do Rei.

A parofonia constrói-se usando j' Wincestrin (ano. eu Winchestrense) ~ juints cestrins (ano. juntos amarelo-limão). Não foi possível encontrar a palavra anglo-normanda específica Wincestrin ou, já agora, qualquer outra, para os habitantes de Winchester. É possível, porém, achar Wincestre para o nome da cidade e compará-la então com outros gentílicos conhecidos, como Parisin, inferindo-se as conclusões necessárias. “Juntos” refere-se a qualquer coisa que possa ser enumerada dentro do escudo, excluindo-se obviamente o campo por incontável e ademais necessário ao contraste.

 

Um Tom Francês

Repare-se ainda que Je (ano. Eu) transforma-se em J' perante sons vocálicos mas mesmo ao preceder consoantes na prática oral e além disso que os plurais terminados em “s” são mudos. A pronúncia da primeira sílaba de Wincestrin poderia muito bem ser [win] em vez de [wẼ], de acordo com a natureza local da palavra. O índice de discrição seria alterado ligeiramente de k = 0,0 para k = 0,30, nada de alarmante, mas preferimos acompanhar o óbvio desígnio de uniformização sonora, exagerando talvez o entusiasmo referente aos aspectos francófonos do anglo-normando.

 

Metonímias

Tanto o denominante como o designante vêem o seu significado restringido pela metonimização. O primeiro através de duas metonímias convergentes:

Eu > brasão > armigerado > Eduardo

Winchestrense > vive em Winchester > o rei > Eduardo

O segundo como duas metonímias simples distintas:

juntos > todos > figurações > cruz e merletas

amarelo-limão > amarelado > ouro

 

Santas Aves

Poderíamos ter classificado a última metonímia como uma sublimação, em que o tom dourado reflectisse a escolha mais lisonjeira dentre todos os amarelos possíveis. Mas veja-se que já temos um pretexto cromático baseado nas flores-de-lis e que além disso um qualquer amarelo que aparecesse seria inevitavelmente descrito como ouro. Daí que a cor da cruz e das merletas deva ser entendida não como amarelo-limão mas como ouro, transformado e descrito pelas práticas do brasonamento. Isso não acontecerá sempre, algumas figurações necessitam de manter a sua identidade amarela de modo a garantir a consistência. As metonimizações cromáticas não ocorrem então, contradizendo a sua descrição no brasonamento, uma linguagem convencionalizada.

Necessitamos ainda de justificar o porquê das aves amarelas no enredo dos traços heráldicos das armas. Parece insuficiente afirmar que as cores provêem da parofonia amarelo-limão. É esta coerência que mantém o todo visual unido e ajuda a afirmar que seria muito difícil que proviesse de qualquer outro motivo que não fosse a intenção. Cestrin está frequentemente associado com a descrição de pedras preciosas. Tudo o que poderíamos imaginar naquele período seriam algumas pedras engastadas na cruz, o que não é o caso. Adicionalmente, não havia capacidade técnica para lapidar as gemas na forma da cruz ou das merletas por inteiro.

Deveremos buscar outra explicação. Voltemos atrás até à identificação das cinco merletas com a santidade do Rei Eduardo através do seu número, Seint ~ Cinc e respectiva condição de bando, Edouard ~ Et due harde. É legítimo pensar que a cor pudesse estar associada com essa condição. Não deveriam reflectir, portanto, o brilho da cruz em ouro, como suposto anteriormente, mas um resplendor interno de santidade.

 

O Resplendor Interno

Este resplendor é representado convencionalmente por um halo ao redor da cabeça dos santos quando se desenham figuras humanas. No que se refere a pássaros, a pomba do Espírito Santo surge de hábito como inteiramente branca com um resplendor amarelado à sua volta que emerge do interior. Seremos informados no quinto nível semântico de que o esmalte azul é “bento” assim não haveria qualquer vantagem semântica em diluir o campo com um halo. Pareceria de qualquer maneira uma técnica bizarra para um brasonamento deste período. O que aconteceu é que o autor do brasão simplificou o halo resplandecente através do esmalte das merletas, transformado a partir do seu brilho interior amarelado. De um modo similar, uma estrela é encoberta por uma nuvem branca e altera o seu esmalte de ouro para negro nas armas de Sagremor. Uma técnica realista teria colorido toda a nuvem de branco, mas deste modo não explicitaria o astro ainda escondido, ignorando a sua presença. Tudo o que precisamos para o enredo heráldico é uma construção credível, que possa “justificar” os aspectos determinativos da parofonia a montante, mesmo se insólitos, uma vez que derivam do acaso.

 

 Eduardo o Confessor - Cruz e cinco Merletas em ouro

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (IV)

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Eduardo o Confessor
Demónimo M Winchestrense
Língua de Conquista V Anglo-Normando
Denominante A J' Wincestrin
Metonímia convergente S Eu > brasão > armigerado > Eduardo
S Winchestrense > vive em Winchester > rei > Eduardo
Grafemização A  J'  |    |  W  |  I  |  N  |  C  |  E  |  S  |  T  |  R  |  I  |  N 
Fonemização denominante A Z  |  w  |  Ẽ  |  s  |  E  |  s  |  t |  R\  |  Ẽ
Emparelhamento A Z  |  w  |  Ẽ  |  s  |  E  |  s  |  t |  R\  |  Ẽ
A Z  |  w  |  Ẽ  |  s  |  E  |  s  |  t |  R\  |  Ẽ
Coeficiente de transposição A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Coeficiente de carácter A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Coeficiente de posição A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Parcelas A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Índice de discrição A k = 0,0
Fonemização designante A Z | w | Ẽ | s | E | s | t | R\ | Ẽ
Grafemização A J | U | I | N | T | S | | C | E | S | T | R | I | N | S
Designante A juints cestrins
Coloração E amarelo-limão
Monossemia simples S ouro
S amarelo-limão
Esmalte H De azul
Número H uma
Figuração H cruz
Aspecto H florenciada
Esmalte H amarelo-limão em ouro
Localização H acantonada de
Número H quatro
Figuração H merletas
Conectivo H e
Número H mais outra
Localização H em ponta
Número H todas
Metonímia simples S juntos > todos > figurações > cruz e merletas
Metonímia simples, Redundância S amarelo-limão > amarelado > ouro
Esmalte H amarelo-limão do mesmo
Imanência, Redundância C ouro (flores-de-lis)
Contraste C azul

(próximo artigo nesta série V/VI)



Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 21:55
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Quarta-feira, 15 de Agosto de 2012

Eduardo o Confessor: Cinco Merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia

 

Santo Eduardo

Este artigo é breve e simples. O terceiro nível semântico trata da mudança de quatro pombas, nas moedas de Eduardo o Confessor, para cinco merletas nas suas armas de fantasia. Pela segunda vez nestas nossas análises, tal como no primeiro nível semântico, C(e) roi ~ Crois, o referente metonimiza Eduardo com a sua condição; de início como rei, agora também como santo. Talvez estes exemplos ilustrem um método suplementar para construir a metonímia do referente mas o facto é que apenas foi possível identificar algumas poucas ocorrências. A esmagadora maioria utiliza metonimizações geográficas.

Esta é a primeira ocasião nesta análise em que o nosso instrumento de verbalização é (ligeiramente) alterado de uma língua de influência, o francês arcaico, para a língua de conquista então ainda usada em Inglaterra, o anglo-normando, a despeito de quase três séculos de coexistência desde que Guilherme o Conquistador atravessou o Canal da Mancha. Resulta que a parofonia obtém-se através de Seint (ano. santo) ~ Cinc (ano. cinco); o índice de discrição correspondente é k = 0. Não nos deixemos enganar pela escrita, os sons são efectivamente iguais, [sẼ] ~ [sẼ]. Observe-se que cinc, quando isolado, pronuncia-se [sẼk], sendo alterado para [sẼ] diante de merlés (ano. merletas) ou de quaisquer outros substantivos no plural que comecem com um fonema consonantal, isto no francês contemporâneo.

 

Moedas e Escudos

Estamos em condições de compreender agora que, uma vez que as moedas foram cunhadas durante a vida do rei, não havia ainda qualquer razão para descrever a sua condição como santo. As pombas, entretanto, representavam a parofonia Edouard ~ Et due harde, visualizada nos seus soberanos de prata. A quantidade era ali apenas uma adaptação da ideia de bando de aves às “reentrâncias” disponíveis em torno da cruz.

Mas agora deparamo-nos com uma especificação muito objectiva: devemos ver cinco pássaros no brasão. O arranjo ideado para este fim usou o espaço adicional na base do escudo, indisponível na moeda, de modo a acomodar a quinta merleta. Nada mais temos a acrescentar. A ideia de “cinco” acompanha-nos desde a ocorrência como designante até a sua concretização em cinco aves. Não há qualquer hipótese de má interpretação neste percurso.

 

 Eduardo o Confessor - Cinco merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (III)

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Eduardo o Confessor
Condição M Santo
Língua de Conquista V Anglo-Normando
Denominante A Seint
Grafemização A  S |  E  |  I  |  N  |  T 
Fonemização denominante A s  |  Ẽ 
Emparelhamento A s  |  Ẽ 
A s  |  Ẽ 
Coeficiente de transposição A 0,0 | 0,0 
Coeficiente de carácter A 0,0 | 0,0 
Coeficiente de posição A 0,0 | 0,0 
Parcelas A 0,0 | 0,0 
Índice de discrição A k = 0,0
Fonemização designante A s | Ẽ
Grafemização A C | I | N | C
Designante A cinc
Quantidade E cinco
Monossemia simples S cinco
S cinco
Esmalte H De azul
Número H uma
Figuração H cruz
Aspecto H florenciada
Esmalte H em ouro
Localização H acantonada de
Número H 4 quatro
Figuração H merletas
Conectivo H quatro + mais outra e
Número H 1 mais outra
Localização H em ponta
Número H todas
Esmalte H do mesmo

(próximo artigo nesta série IV/VI)



Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 16:34
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Quarta-feira, 8 de Agosto de 2012

Eduardo o Confessor: Merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia

 

As Merletas de Santo Eduardo o Confessor

Esta segunda parte da nossa análise procurará justificar a existência dos pássaros no escudo de Santo Eduardo o Confessor. Como aconteceu no caso da cruz, o desenho foi influenciado pela representação numismática precedente, que incluía apenas quatro aves assemelhadas a pombas - deveria existir alguma razão para o incremento de mais um pássaro no brasão.

Apesar do arranjo heráldico deixar implícito um espaço subjacente à cruz capaz de explicar o arranjo com cinco figurações, esta condição poderia ser facilmente corrigida pela extensão do braço inferior, deixando incólume a quantidade inicial. Segundo a análise feita em Eduardo o Confessor: C(e) roi ~ Crois, exigia-se apenas uma cruz, fosse ela grega, adequada à simetria circular, ou latina, ajustada à forma do escudo. Algo aconteceu, entretanto, que obrigou ao acrescentamento. A motivação, contudo, só poderá compreender-se integralmente com o artigo que se seguirá a este.

 

Um Bando de Pássaros

Eduardo, o nosso referente, quase por obrigação seria metonimizado através do próprio nome. Todos os exemplos que observámos nas moedas medievais usavam este recurso como ferramenta parofónica, que conjecturamos ser uma fonte insuspeita de inspiração  para o desenvolvimento da linguagem heráldica paralelamente aos selos. Ao herdar o traço semântico, o escudo herdou também a correspondente língua de verbalização, o francês arcaico, em particular o falado na Normandia. Vemos portanto o Rei Santo ser expresso pela parofonia Edouard (fra. Eduardo) ~ Et due harde (fra. e respectivo bando). O denominante, na primeira parte, não apresenta qualquer problema mas o designante, na segunda, merece alguns comentários.

Lembramos que já dispomos de uma parofonia, por isso não seria de todo irrazoável juntar esta com aquela numa sequência frásica: Crois et due harde, ou mesmo entrecruzando-se o denominante com o designante: Ce roi et due harde. A função de et (fra. e) é meramente aditiva, conectando as duas parofonias e a justificar assim a existência. A palavra due, (fra. respectiva) apesar de não conservar o sentido no francês moderno, senão muito especificamente, podia interpretar-se no passado como: “devido”, “correspondente” ou “respectivo”. Deste modo, faz a ligação entre a cruz ou o rei e harde (fra. bando). Este último termo também já perdeu algo da significação antiga, contudo interessamo-nos apenas pela época medieval e aí, sem quaisquer dúvidas e com inúmeros exemplos, possui o sentido de um bando de aves. 

Concluindo, a frase “cruz e respectivo bando de aves” parece perfeitamente coerente com as imagens que podem ser vistas na moeda de Eduardo o Confessor. Não quer isso dizer que não tenhamos de investigar, entre outras coisas, a coerência no sentido inverso, nem que não pudessem existir soluções alternativas ou até melhores o que, francamente, duvidamos. Referimos que desenvolvimentos como ait un harde ou et du harde não são possíveis porque harde é do género feminino.

 

O Tamanho Relativo

A convergência semântica de um bando genérico de animais para um bando de aves em particular é realizada por uma primeira metonimização que reflecte a escolha do criador da moeda. Efectivamente poderia ter sido escolhido um bando de cervos mas a razão da preferência dever-se-á ao tamanho relativo dos animais e da cruz no desenho. Um bando de quadrúpedes, mesmo dos mais pequenos, exigiria uma enorme cruz, excluindo qualquer artefacto habitual, enquanto que um bando de pássaros configuraria uma cruz de dimensões mais aceitáveis, como as das cruzes processionais. Uma segunda metonimização transforma as aves em merletas por exigência do designante “bando” que não especifica nenhuma espécie em particular e recorrente na heráldica:

bando de animais > bando de aves

aves > merletas

 

Pombas e Merletas

Qual seria a razão para que as aves em referência fossem de início pombas, ou algo semelhante a elas, transformando-se posteriormente em merletas? A resposta é dada pela distância temporal entre as representações. Enquanto que na moeda procurou-se tomar indiferentemente uma ave comum e de índole gregária, no brasão obedeceram-se às regras heráldicas já em vigor, ao adoptar-se uma figuração que representasse os pássaros de um modo geral: a merleta.

Assistimos assim à segunda modificação do desenho original após a introdução do florenciado nas hastes da cruz. Estas lembravam a condição de rei, seria possível atribuir um significado específico às merletas? Não é a nossa opinião, pensamos dever-se apenas à necessidade de coerência na linguagem armorial. Também não é possível atribuir às pombas qualquer vinculação com a santidade do rei, posterior à cunhagem das moedas ou com a sua realeza, de resto já evidenciada naquele outro aspecto da figuração. Ademais, como a pomba simboliza o Espírito Santo, é bem possível que a simples presença da cruz fosse suficiente para lembrar o recurso àquela ave, mas a presença dos quatro exemplares invalida que as tomemos com a referida especificidade semântica. 

 

O Esmalte Azul

Um ponto a merecer a nossa atenção é a atitude das aves. Apesar de não termos ainda alcançado a etapa da análise cromática, sabemos que o fundo sobre o qual repousam os pássaros é de cor azul. O mais cómodo seria assumir que um céu servisse de pano de fundo tanto às merletas como à cruz. Há um pormenor, contudo, que vem prejudicar este raciocínio: as aves estão com as asas recolhidas na moeda e no escudo, indicando que não poderiam estar a voar numa interpretação estrita.

Outra possibilidade seria atribuir o azul à água, na qual vogassem os cinco passarinhos. Mas é evidente que não se tratam de aves aquáticas e que a cruz, apesar de a podermos considerar em madeira permitindo assim que flutuasse, já possui os elementos metálicos da Coroa de Santo Eduardo, presumindo-se o restante no mesmo material. Seria de esperar que a cruz fosse em ouro e que a condição do nosso referente como santo exigisse um enredo imagético mais exaltante no acompanhamento figurativo. Mais uma vez devemos adiar a resposta às nossas indagações, agora no que diz respeito à análise do esmalte azul, que possui um nível semântico próprio, condicionado por uma metonímia do referente particular.

 

Arranjos Sintácticos

Os arranjos sintácticos são condicionados pela presença da cruz, que permite os espaços necessários à introdução das quatro aves. Não é fácil dizer qual das duas parofonias numismáticas terá sido imaginada em primeiro lugar. Eduardo, através das merletas, vem mais a propósito enquanto expressão linguística determinativa, já a cruz, gerada pela função real, ajusta-se melhor aos usos habitualmente reproduzidos nas moedas. De qualquer maneira, a junção das duas ideias só poderia ser feita consistentemente na forma como está apresentada. A introdução de uma merleta suplementar, como já vimos, implicou que se conservasse a cruz grega, aninhando-se a quinta figuração no espaço entre a ponta do escudo e a extremidade inferior da cruz florenciada. A cruz define um contorno quadrado virtual, a ajustar-se muito bem aos flancos e ao bordo superior do escudo, restando em consequência a ponta como região possível para instalar a dita merleta.

 

Quatro ou Cinco

Se bem que exista de facto a mencionada associação do número de merletas à cruz, é bem evidente que ela está condicionada a montante. Não por a cruz ter quatro reentrâncias, mas pela especificação proporcionada por “bando”. Se hipoteticamente a parofonia descrevesse um duo ou um trio, seria necessário fazer os ajustamentos que lhe correspondessem. Porém, ao enunciar-se um bando, não poderemos imaginar apenas duas ou mesmo três aves. Talvez quatro seja o número mínimo aceitável, se nos lembrarmos de “quadrilha”, ideia afim, que encerra esta quantidade na etimologia.

Constitui-se assim o que poderíamos chamar de uma terceira metonimização, simples como as demais - bando > quatro (cinco) aves - que auxilia à passagem de um conceito numérico nebuloso para uma especificação precisa, se bem que em duas versões distintas de quatro e cinco exemplares, pela influência adicional de níveis semânticos distintos.

 

A Articulação do Espaço

As centralidades são mais difíceis de definir. O desenho das merletas é inteiramente assimétrico e não permite que os espaços sobrantes sejam homogéneos, mesmo com a eventual correcta localização dos seus centros geométricos. Acresce à dificuldade que todos os pássaros estão orientados para a dextra do escudo, prejudicando as simetrias axiais relativamente à cruz e ao escudo, apesar de obedecerem estritamente às normativas implícitas que lhes são exigidas pelo brasonamento. Deveremos procurar um equilíbrio entre as silhuetas de todas as figurações entre si e os espaços intermédios que lhes correspondam, o que poderá variar de intérprete para intérprete, nós incluídos. De resto é algo que pouco ou nada dirá de valia para o aspecto semântico que nos interessa prioritariamente.

 

 Eduardo o Confessor - Bando de aves 

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (II)

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Eduardo o Confessor
Antropónimo M Eduardo
Língua de Influência V Francês
Denominante A Edouard
Grafemização A  E |  D  |  O  |  U  |  A  |  R  |  D 
Fonemização denominante A e  |  d  |  u  |  a  |  R  |  d 
Emparelhamento A e  |  d  |  u  |  a  |  R  |  d 
A e  |  d  |  y  |  a  |  R  |  d 
Coeficiente de transposição A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0
Coeficiente de carácter A 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Coeficiente de posição A 0,0 | 0,0 | 1,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Parcelas A 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Índice de discrição A k = 0,17
Fonemização designante A e | d | y | a | R | d
Grafemização A E | T | | D | U | E | | H | A | R | D | E
Designante A et due harde
Zoologia E e respectivo bando
Monossemia simples S bando
S merletas
Esmalte H De azul
Número H uma
Figuração H cruz
Aspecto H florenciada
Esmalte H em ouro
Localização H em cada cantão da cruz acantonada de
Número H 4 quatro
Metonímia simples S bando de animais > bando de aves
Metonímia simples S aves > merletas
Figuração H bando merletas
Orientação C volvidas para a dextra
Disposição C 2, 2
Centralidade C equilíbrio das silhuetas
Conectivo H merletas + merleta e
Metonímia simples S bando > 5 (4) aves
Número H 1 mais outra
Localização H debaixo da haste vertical da cruz em ponta
Orientação C volvida para a dextra
Simetria C equidistante das merletas laterais
Centralidade C entre a ponta e o pé da cruz
Número H todas
Esmalte H do mesmo

(próximo artigo nesta série III/VI)



Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 23:30
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