Terminamos o estudo pelo primeiro nível semântico por expor-se melhor nesta ordem a organização das armas de Sagremor. Isso não quer dizer que o autor do brasão tenha adoptado uma qualquer sequência predeterminada; pelo contrário, deve ter ensaiado várias possibilidades antes de dar o trabalho por findo. A parofonia é descrita por Ungaria (lat. Hungria) ~ Ungo (lat. unto) area (lat. área), talvez a mais evidente de todas, dado o cognome aposto a Sagremor: o Húngaro. Os seus resultados visuais, muito singelos, diríamos quase exigirem outros componentes que viessem a preencher a excessiva simplicidade de um escudo pleno em vermelho. Convém acrescentar que como nos antecedentes, mantém-se a razoabilidade de um índice de discrição baixo: k = 0,25 e que ao estimar este indicador recorremos à ditongação de oa em ungo area, a emparelhar com Ungaria para alterar-se em Ungoarea.
O tema da parofonia parece afastar-se dos hábitos adquiridos em Aquincenses ~ Ac quini sentes e em Danubius ~ Da nubis ao compor indirectamente o “céu” suposto no pano de fundo das estrelas e da nuvem. Este afastamento é verdadeiro quanto ao modo de sematização da parofonia mas não quanto à representação em si mesma. É perfeitamente possível um céu vermelho à tarde ou pela manhã, admitindo ainda nestas ocasiões a visibilidade da nuvem e das estrelas ou dos planetas mais brilhantes. Contudo, ungo vai aplicar-se primariamente sobre a superfície do escudo especificada em area e apenas depois sobre os céus, como consequência natural do conjunto imagético que se pressupõe coerente. A sematização estabelece a metonímia: área > campo > campo do escudo > escudo. Encontramos um paralelo da unção dos escudos neste trecho do Segundo Livro de Samuel: “... O escudo de Saul não foi ungido com óleo, mas com o sangue dos feridos e a gordura dos guerreiros ...”[1]. Tal como nos escudos medievais feitos de madeira e recobertos de couro a boa manutenção exigia uma protecção periódica. Não será, todavia, o óleo a colorir o artefacto de defesa usado por Sagremor, mas a ideia implícita de que era feito ou recoberto de couro, logo avermelhado ou acastanhado, colorações passíveis de inspirar o esmalte vermelho na representação do escudo heráldico.
A conjugação cromática aparenta ser arbitrária mas as dúvidas desvanecem-se ao examinarmos em pormenor a análise já efectuada. A seleccionarem-se convenientemente cores naturais, as estrelas fora do cantão serão amarelas, brancas ou azuis. Do mesmo modo a nuvem poderia ser branca ou negra, enquanto que o escudo de couro tratado pelo tanino apenas admitiria o vermelho. Quanto à estrela encoberta consentiria o negro ou eventualmente o branco, como “descoloração” do outro esmalte estelar que representasse a luz. Ficamos com as seguintes possibilidades, dispondo as cores pela ordem: estrelas, campo, cantão, estrela do cantão.
Azul + Vermelho + Negro + Prata (não)
Azul + Vermelho + Negro + Negro (não)
Azul + Vermelho + Prata + Prata (não)
Azul + Vermelho + Prata + Negro (não)
Ouro + Vermelho + Negro + Prata (não)
Ouro + Vermelho + Negro + Negro (não)
Ouro + Vermelho + Prata + Prata (não)
Ouro + Vermelho + Prata + Negro (sim)
Prata + Vermelho + Negro + Prata (não)
Prata + Vermelho + Negro + Negro (não)
Prata + Vermelho + Prata + Prata (não)
Prata + Vermelho + Prata + Negro (sim)
É possível observar que das doze hipóteses apenas duas são inteiramente admissíveis. Grande parte das opções é rejeitada pela aplicação da lei dos contrastes. Duas estarão no limite da admissibilidade ao incluir uma nuvem negra, que estimamos não fosse de primeira escolha, além de figurar o esmalte vermelho vizinho ao negro, apesar de por vezes encontrarem-se juntos na heráldica. Finalmente, restam dois arranjos bem-sucedidos dos quais um repete o esmalte do par de estrelas iguais na nuvem, proposta mais pobre do que a oitava combinação, coincidente com a escolha do brasão de Sagremor, o que não nos surpreende.
Poderíamos ser tentados a associar ungo com a unção das sagrações reais, por Sagremor descender do rei da Hungria e da filha do imperador de Constantinopla. Ainda assim, a experiência nos aconselha a não confundir os planos semânticos da parofonia com os planos estritamente biográficos, não se exceptuando os fantasiosos. A obtenção do desenho está isolada de outros relacionamentos que não os estabelecidos pela metonimização do referente. Mesmo dando-se o caso da possibilidade de escolha entre vários traços heráldicos, temos observado a preferência de acompanhamento dos estilos visuais de cada época, ao invés de escolhas baseadas no percurso particular do representado. Tal porém já não acontece nas armas alusivas.
Apesar disso considerou-se o próprio nome de Sagremor, com uma solução do tipo Sagremor ~ Sacre (fra. sagração) en or (fra. em ouro), seguindo-se contudo os procedimentos habituais. Assim a unção, ao menos desta vez, ligar-se-ia à entronização dos seus ascendentes e imaginaríamos as estrelas como manchas de óleo sobre as vestes régias em vermelho, cor já usada nas cerimónias medievais. O componente en or diria respeito aos utensílios necessários à guarda e aplicação do óleo, também referenciáveis pela história. Esta solução entra em conflito com o plano semântico apresentado anteriormente, que favorece ungo na forma de acção utilitária. Para mais, teríamos de explicar o cantão e a estrela negra, dificuldade de resolução improvável. Preferimos imaginar aqui uma possível interpretação textual, redundante com o que já se propôs, mas de nenhum modo ligada à proposta semântica visual. Resta-nos aguardar por outros estudos sobre os Cavaleiros da Távola Redonda para decidir sobre a existência de algum padrão comum quanto ao uso da antroponímia dos armigerados.
[1] 2 Sm 1, 21-22.
Sagremor - Armas de Fantasia (I) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Sagremor | ||||||||||
Território | M | Hungria | ||||||||||
Língua de Fantasia | V | Ungaria (latim) | ||||||||||
Denominante | A | Ungaria | ||||||||||
Grafemização | A | U | N | G | A | R | I | A | ||||||||||
Fonemização denominante | A | u | N | G | a | 4 | i | a | ||||||||||
Emparelhamento | A | u | N | G | a | 4 | i | a | ||||||||||
A | u | N | G | oa | 4 | e | a | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 1,0 | 0,0 | 1,0 | 0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,25 | ||||||||||
Fonemização designante | A | u | N | G | o | | a | 4 | e | a | ||||||||||
Grafemização | A | U | N | G | O | | A | R | E | A | ||||||||||
Designante | A | ungo | area | ||||||||||
Acção + Geometria | E | unto + área | ||||||||||
Monossemia simples | S | vermelho | ||||||||||
S | unto o escudo | |||||||||||
Metonímia simples | S | área > campo > campo do escudo > escudo | ||||||||||
Esmalte | H | avermelhado | De vermelho | |||||||||
Imanência | C | couro | ||||||||||
Contraste | C | ouro, prata | ||||||||||
Número | H | um | ||||||||||
Separação | H | cantão | ||||||||||
Esmalte | H | de prata | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | três | ||||||||||
Figuração | H | estrelas de cinco pontas | ||||||||||
Número | H | duas | ||||||||||
Esmalte | H | de ouro | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | uma | ||||||||||
Esmalte | H | de negro | ||||||||||
Localização | H | no cantão |
(próxima análise neste blog aqui)
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