O par homofónico Sion (fra. Sião) ~ Cions (fra. rebentos) está entre as melhores parofonias encontradas nas Armas de Jerusalém. Foi perturbador achar uma conexão tão óbvia ao Reino, traduzindo-se em componentes visuais também evidentes, sem que nunca esta tenha chamado a atenção dos heraldistas de modo a considerarem-se as armas como falantes. Talvez não estejamos a ser razoáveis e alguém algures terá notado esta associação.
Não sabíamos se a metonímia do referente Sion, contígua ao Rei de Jerusalém, referia-se a Sião, ou seja à cidade de Jerusalém, ou ao Monte Sião ao sul da cidadela. Havia alguma confusão sobre a verdadeira localização daquele Monte e o seu relacionamento com o paço real dos cruzados, reflectindo-se na pesquisa do sentido da palavra usada para estabelecer os componentes heráldicos.
Assim que a resposta foi encontrada, foi necessário aumentar o número de níveis semânticos de dez para doze, acrescentando-se a residência real, ficando agora claro para nós que o denominante Sion representa a cidade de Jerusalém. Voltando ao denominante anterior Jérusalem, o qual também ignorávamos se estava ligado ao Reino ou à cidade, sabemos agora com segurança que se trata de uma metonímia referente do tipo territorial.
Uma cruz grega organizaria melhor a simetria e é a forma mais simples possível no conjunto daquela classe de figurações. As cruzetas partilham a forma com a figuração principal mas numa escala diminuta, quase num padrão fractal; permitiriam a acomodação das suas cópias em qualquer um dos quatro cantões. Em contraste, uma cruz latina seria capaz de acolher perfeitamente bem os seus clones nos cantões inferiores mais alongados mas não nos cantões quadrados superiores, ou vice-versa, dependendo do seu tamanho relativo.
As diagonais de cada cantão ajudam a centrar a localização de cada cruzeta, mas este aspecto complementar da heráldica não é o motivo principal por detrás desta disposição, que será completamente justificada no próximo artigo. Relativamente à mesma questão enfatizamos o facto fundamental de que uma cruzeta grega (G) permanece a mesma a cada rotação de 90º em torno do seu centro ou reflectida através da direcção das hastes ou através dos eixos bissectores, preservando a invariância do conjunto de pontos e definindo um grupo de oito simetrias no plano. Uma cruzeta latina (L) permanece a mesma para a permutação identidade e para a reflexão através das hastes verticais. Consequentemente, apenas o primeiro móvel é capaz de assegurar um arranjo simétrico harmonioso de vários elementos, como se verá no artigo a publicar em seguida.
G L - rotação horária de 0º (identidade)
G - rotação horária de 90º
G - rotação horária de 180º
G - rotação horária de 270º
G - reflexão através dos braços horizontais
G L - reflexão através dos braços verticais
G - reflexão através do eixo a 45º
G - reflexão através do eixo a 315º
Contudo, ainda se admite qualquer tipo de cruz nesta conjuntura, desde que todas compartilhem a mesma forma e mantenham a simetria radial. Como em qualquer acto replicável, devemos estar preparados para aceitar que algumas representações serão distintas das intenções primitivas e não seguirão as determinações parofónicas ali estabelecidas. Além disso, não estamos certos se o armigerado alguma vez conheceria estas regras parofónicas. Emitir moedas ou selos com base em descrições como “de prata uma cruz potenteia de ouro entre quatro cruzetas do mesmo” poderia ocasionar equívocos infelizes, arruinando discretamente partes cruciais do significado.
Há um exemplo heráldico similar e curioso onde está envolvida a coincidência de formas mas na direcção inversa, o sentido aparece a partir das imagens no brasão como desenvolvimento pragmático. Para as armas de Jerusalém deduzimos a similaridade partindo da parofonia. No caso do terceiro quartel das armas modernas de Aragão, mostrando quatro cabeças de mouros, acreditamos que a semelhança das figurações foi a razão principal para descreverem-se os naturais de Aragão como maños (ara. irmãos). Outros exemplos de símbolos territoriais usados em alcunhas estão disponíveis na nossa dissertação em Pragmática e Justificações.
Considerando-se a flexão plural cions, esta indica mais de um elemento, enquanto que, por exemplo, a tradução inglesa offspring já não o faz. Trata-se de um outro tipo de problema que devemos enfrentar. O significado parofónico intencional será certamente único, mas não o método escolhido para transmiti-lo. Além do mais sabemos que, mesmo para a mesma língua, a passagem dos anos dotará a maior parte das palavras com distintas formas lexicais ou significados. Quando o investigador aplica uma língua inteiramente distinta para tentar reproduzir as condições iniciais nem sempre é viável manter todas as subtilezas da semântica correspondente.
Note-se que o designante cions não especifica aonde devemos posicionar as cruzetas. Apenas sabemos que não estão isoladas, devido ao sufixo, e todas serão semelhantes, se bem que menores do que a cruz central. Nada de mais específico é dito sobre a sua quantidade e onde jazerão no que diz respeito à figuração principal e ao campo. Apesar de quaisquer argumentos em contrário, uma interpretação correcta poderia muito bem mostrar apenas duas cruzetas por cima da cruz, pelo menos como as coisas se apresentam neste momento. Por certo, se nada mais existisse na parofonia que nos auxiliasse a compor as figurações, outras normas heráldicas complementares ajudar-nos-iam a obter uma resultado adequado, talvez próximo à representação vista ao alto desta página.
Por fim, o termo cion é um substantivo mas não assegura nada de concreto que possa materializar-se sobre o escudo que temos diante de nós, devido ao carácter simbólico do seu análogo de maior dimensão. A acepção usual que sobreviveu em francês, scion, implica apenas a ideia vegetal de um rebento enquanto que a denotação genealógica de scion em inglês como herdeiro ou descendente, embora tardia, preserva melhor as raízes do seu significado primitivo em francês, similar ao português.
Podemos deduzir duas metonimizações de tudo o que se disse. As quantidades ainda não estão inteiramente envolvidas por agora, já que apenas podemos justificar duas escassas cruzetas. Veja-se que não ocorre aqui uma imitação, traço heráldico complementar desprovido da correspondência parofónica a montante; um bom exemplo deste fenómeno é a cruz de pé apontado que aparece nas armas de fantasia de Jerusalém no Zürcher Wappenrolle.
Poderia ademais ser considerada uma oposição, definida por “grande × pequeno”, mas sem qualquer consequência nos traços heráldicos, que derivam o tamanho relativo a partir do designante. Tudo o que se pode definir no presente nível é a motivação da emergência das cruzetas no que se refere à forma e dimensão desde cions através de um par de metonímias simples:
rebentos > filhos > irmãos > parecidos
rebentos > filhos > pequenos
O relacionamento com as “exéquias” parece ter desaparecido por agora, mas os próximos níveis mostrarão que a cruzetas estão integradas num significado mais abrangente, que concluirá com a viabilização completa do cenário previsto para estas armas. Há uma passagem nos Evangelhos que poderia dar apoio a um papel prematuro das cruzetas como componente do enredo:
1 Coríntios 12:12,27 “De facto, o corpo é um só, mas tem muitos membros; e no entanto, apesar de serem muitos, todos os membros do corpo formam um só corpo. Assim acontece também com Cristo ... Ora, vós sois o corpo de Cristo e sois Seus membros, cada um no seu lugar”
Não se introduz nada de radicalmente novo no aspecto formal, apenas consideram-se as cruzetas como extensões do corpo de Jesus, já representado pela peça principal. Provavelmente este sentido estabelece-se pela adjacência das figurações mais pequenas à personificação de Cristo como cruz. Em qualquer caso não consideramos este arranjo como determinante; outras representações aceitáveis e consistentes das armas de Jerusalém incluem cruzetas separadas.
Não devemos ainda concluir que as cruzetas pertençam ao epitáfio gravado sobre a lápide juntamente com a cruz. Não são apenas desiguais em tamanho, número e posição mas também equivalem a um outro artefacto feito de outro material. De resto, a cruz e as cruzetas não dispõem dos seus esmaltes, estes surgirão apenas no último nível referente a Jerusalém. O que importa assinalar é que já se encontrou a incorporação adequada para a primeira, a cruz actua como um epitáfio sobre uma sepultura, enquanto que as cruzetas preencherão as lacunas do seu sentido por inteiro no sexto nível. De momento são cruzes simbólicas que repetem o segundo nível semântico sem qualquer conexão visual óbvia ao enredo exequial.
Reis de Jerusalém (III) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Domínio | R | Reis de Jerusalém | ||||||||||
Capital | M | Jerusalém | ||||||||||
Língua de Conquista | V | Francês | ||||||||||
Denominante | A | Sion | ||||||||||
Grafemização | A | S | I | O | N | ||||||||||
Fonemização denominante | A | s | j | Õ | ||||||||||
Emparelhamento | A | s | j | Õ | ||||||||||
A | s | j | Õ | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,0 | ||||||||||
Fonemização designante | A | s | j | Õ | ||||||||||
Grafemização | A | C | I | | O | N | S | ||||||||||
Designante | A | Cions | ||||||||||
Humano | E | rebentos | ||||||||||
Monossemia simples | S | cruzetas | ||||||||||
S | cions | |||||||||||
Esmalte | H | De prata | ||||||||||
Número | H | uma | ||||||||||
Figuração | H | cruz | ||||||||||
Aspecto | H | potenteia | ||||||||||
Esmalte | H | de ouro | ||||||||||
Localização | H | entre | ||||||||||
Número | H | quatro | ||||||||||
Metonímia simples | S | rebentos > filhos > irmãos > parecidos | ||||||||||
Metonímia simples | S | rebentos > crianças > pequenas | ||||||||||
Figuração | H | rebentos | cruzetas | |||||||||
Simetria | C | radial | ||||||||||
Orientação | C | imanência | ||||||||||
Esmalte | H | do mesmo |
(próximo artigo nesta série IV/XII)
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