Quarta-feira, 15 de Agosto de 2012

Eduardo o Confessor: Cinco Merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia

 

Santo Eduardo

Este artigo é breve e simples. O terceiro nível semântico trata da mudança de quatro pombas, nas moedas de Eduardo o Confessor, para cinco merletas nas suas armas de fantasia. Pela segunda vez nestas nossas análises, tal como no primeiro nível semântico, C(e) roi ~ Crois, o referente metonimiza Eduardo com a sua condição; de início como rei, agora também como santo. Talvez estes exemplos ilustrem um método suplementar para construir a metonímia do referente mas o facto é que apenas foi possível identificar algumas poucas ocorrências. A esmagadora maioria utiliza metonimizações geográficas.

Esta é a primeira ocasião nesta análise em que o nosso instrumento de verbalização é (ligeiramente) alterado de uma língua de influência, o francês arcaico, para a língua de conquista então ainda usada em Inglaterra, o anglo-normando, a despeito de quase três séculos de coexistência desde que Guilherme o Conquistador atravessou o Canal da Mancha. Resulta que a parofonia obtém-se através de Seint (ano. santo) ~ Cinc (ano. cinco); o índice de discrição correspondente é k = 0. Não nos deixemos enganar pela escrita, os sons são efectivamente iguais, [sẼ] ~ [sẼ]. Observe-se que cinc, quando isolado, pronuncia-se [sẼk], sendo alterado para [sẼ] diante de merlés (ano. merletas) ou de quaisquer outros substantivos no plural que comecem com um fonema consonantal, isto no francês contemporâneo.

 

Moedas e Escudos

Estamos em condições de compreender agora que, uma vez que as moedas foram cunhadas durante a vida do rei, não havia ainda qualquer razão para descrever a sua condição como santo. As pombas, entretanto, representavam a parofonia Edouard ~ Et due harde, visualizada nos seus soberanos de prata. A quantidade era ali apenas uma adaptação da ideia de bando de aves às “reentrâncias” disponíveis em torno da cruz.

Mas agora deparamo-nos com uma especificação muito objectiva: devemos ver cinco pássaros no brasão. O arranjo ideado para este fim usou o espaço adicional na base do escudo, indisponível na moeda, de modo a acomodar a quinta merleta. Nada mais temos a acrescentar. A ideia de “cinco” acompanha-nos desde a ocorrência como designante até a sua concretização em cinco aves. Não há qualquer hipótese de má interpretação neste percurso.

 

 Eduardo o Confessor - Cinco merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (III)

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Eduardo o Confessor
Condição M Santo
Língua de Conquista V Anglo-Normando
Denominante A Seint
Grafemização A  S |  E  |  I  |  N  |  T 
Fonemização denominante A s  |  Ẽ 
Emparelhamento A s  |  Ẽ 
A s  |  Ẽ 
Coeficiente de transposição A 0,0 | 0,0 
Coeficiente de carácter A 0,0 | 0,0 
Coeficiente de posição A 0,0 | 0,0 
Parcelas A 0,0 | 0,0 
Índice de discrição A k = 0,0
Fonemização designante A s | Ẽ
Grafemização A C | I | N | C
Designante A cinc
Quantidade E cinco
Monossemia simples S cinco
S cinco
Esmalte H De azul
Número H uma
Figuração H cruz
Aspecto H florenciada
Esmalte H em ouro
Localização H acantonada de
Número H 4 quatro
Figuração H merletas
Conectivo H quatro + mais outra e
Número H 1 mais outra
Localização H em ponta
Número H todas
Esmalte H do mesmo

(próximo artigo nesta série IV/VI)



Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 16:34
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Quinta-feira, 19 de Julho de 2012

Eduardo o Confessor: Cruz

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia

 

Armas de Santo Eduardo o Confessor

Sem dúvida, este será um dos mais respeitados e difundidos exemplares dentre as armas de fantasia, seja pela figura mítica do patrono de Inglaterra que precedeu a São Jorge, seja pelo uso em armas verdadeiras, seja pela sobrevivência de artefactos que aludem ao seu nome como o trono, o ceptro e a coroa real dos monarcas ingleses, seja pela própria consideração que os assuntos heráldicos tiveram e continuam a ter nas Ilhas Britânicas. Sinal desta importância é o aparente cuidado posto na concepção das armas que lhe são atribuídas. Totaliza seis níveis semânticos, coisa rara na parofonia heráldica, cada um com a sua metonimização para o mesmo referente: Eduardo o Confessor. Aparecem pelo fim do século XIV integrando as armas de Ricardo II, possivelmente inspiradas numa moeda cunhada ao tempo do Rei Santo[1].

 

A Moeda e a Cruz

Pela primeira vez surge-nos a própria condição do armigerado - rei - como metonímia do referente. A causa deverá ser, por um lado, a importância das responsabilidades assumidas por Eduardo, por outro a provável intencionalidade de cópia, adaptada da numária deste soberano. Não é possível garantir absolutamente que a peça já fosse ela própria falante, como temos observado em outros exemplares pré-heráldicos da numismática ou da sigilografia[2].

Tudo indica que sim: a estreiteza das hastes que é repetida nas armas, o acrescento dos florões, específico à linguagem heráldica, a diversidade das figurações ornitológicas e o facto de serem apenas quatro inicialmente. Estas complementaridades ficarão mais claras nos artigos subsequentes. Aceitando-se a suposição devemos inferir o uso do francês arcaico na parofonia das moedas, o que não será demasiado difícil sabendo-se que Eduardo viveu muito tempo na Normandia, tendo levado naturais dali para Inglaterra; a sua própria mãe era normanda[3].

De facto, não se utilizou como antes o latim na verbalização deste plano semântico mas o francês ou alternativamente o anglo-normando, caso a cópia das moedas não possa ser aceite, ao contrário do que acreditamos, em qualquer das hipóteses a diferença será insignificante. Decorre da nossa proposta que a verbalização fez-se numa língua de influência, ainda não falada na corte, como aconteceu mais tarde: Ce roi (fra. este rei) ~ Crois (fra. cruz)[4].

 

A Cruz do Rei

Ambos os termos em confronto, Ce roi e Crois, produzem uma homofonia absoluta após providencial intervenção metonímica, ocasionando um índice de discrição nulo. A alteração do fonema /s/ em /k/ processa-se segundo a metonimização divergente:

ce (roi) > ce (este) > [se]

c(roi) < c (letra cê) < [se].

A metonímia é divergente porque, a partir de um mesmo elemento - a fonemização em [se] da palavra ce e da letra cê - fornecem-se duas interpretações distintas. Ambas estão no denominante, com /s/ a montante e /k/ a jusante, produzindo artificialmente a palavra croi, desprovida de sentido, útil apenas no emparelhamento fonético com crois. Note-se que a metonimização dos fonemas ocorre na etapa de sematização por tratar-se de uma mudança semântica e não na fase de acomodação, fundamentalmente fonética.

Ce (fra. este) cumpre uma função importante na construção da parofonia mas apenas estabelece uma monossemia elementar. Refere redundantemente que este rei é o rei de que se fala e que será representado nas armas parofonizadas. A sematização da cruz é ainda mais simples porque não há que usar qualquer artifício, a cruz do designante produz a cruz do traço heráldico, ponto final.

É perfeitamente cabível uma cruz feita de ouro, bronze, madeira ou qualquer matéria que lhe dê a cor amarelada. De facto a atribuição dos esmaltes, especialmente nas armas de fantasia, sintoniza-se amiúde com um material aceitável na figuração, com a descrição habitual “de sua cor” nem sempre usada. Entretanto, neste caso particular as cromatizações resultam de dois planos semânticos específicos e distintos, um para o azul do campo e outro para o ouro dos móveis, como veremos mais tarde. Razão de apresentamos apenas o contorno da cruz na imagem ilustrativa.

Os complementos redundantes são os de costume excepto no que toca à orientação da cruz. Exaustivamente conformada pela nossa cultura é bem evidente que uma cruz de sentido genérico só poderá estar com os braços paralelos ao horizonte visual. Não é assim na cruz de Santo André mas torna-se necessário especificá-la pelo nome. Trata-se, portanto, de uma imanência cultural da cruz, embebida no seu traço heráldico de orientação e na própria palavra.

 

Os Florões e a Definição de Aspecto

Seria ainda necessário justificar a presença dos lises nas extremidades da cruz. Há uma enorme variedade de cruzes na heráldica, diferenciáveis pelas espessuras, formas, número e extensão dos braços mas, sobretudo, pelo arremate das extremidades. Será possível que cada formato possa estar ligado a uma justificação semântica através do referente?

Não podemos responder à pergunta, apenas nos ocuparemos deste exemplo por agora; o conjunto das propostas que formos apresentando no futuro encarregar-se-á de delimitar as atribuições respectivas. Os argumentos nem sempre radicarão num desígnio semântico absoluto, poderão tratar-se de complementações que, fugindo ao enfeite inconsequente liguem-se, ainda que de modo débil, ao enredo heráldico.

Deveremos introduzir aqui a definição de aspecto, conceito sempre ligado às figurações, especialmente as geométricas. É muito semelhante à noção clássica de atitude que descreve a postura dos animais. O aspecto é a parte de uma figuração que se diferencia caracteristicamente de outras figurações semelhantes por meio de um detalhe formal. Não sendo uma figuração independente em si mesma, o aspecto ajuda a identificar vários tipos ou modelizações de um mesmo desenho. O endentado e o ondado das faixas, os palhetões e as argolas das chaves, as pétalas e os espinhos das flores, as orelhas e as nervuras das vieiras exemplificarão suficientemente.

 

A Jóia da Coroa

Voltando à necessidade da nossa justificativa, apesar de roi designar textualmente o rei, a associação deste conceito através da expressão visual de uma cruz grega simples não é de nenhum modo aparente. De mais a mais, na maior parte das parofonizações reais que estudámos verificou-se esse modo de analogia heterogénea entre a linguagem e a imagem. A maneira mais fácil de designar um rei apenas por um objecto é o uso de uma coroa, mais raro será ver o traço de aspecto numa cruz diferenciado por uma ou mais coroas.

Singularmente, para o rei de que nos ocupamos é possível encontrar uma peça histórica de relevo: a Coroa de Santo Eduardo[5]. O artefacto actual é uma jóia da Coroa Britânica, cópia de outra que existiu antes, esta talvez usada pelo referente. Se assim aconteceu de facto, não é demasiado importante, mas sim que o autor das armas pudesse estar convencido da sua autenticidade ou representatividade. Como a Coroa de Santo Eduardo apresenta quatro florões na sua circunferência, cada um deles deve ter sido incorporado às hastes da cruz heráldica obedecendo à metonimização:

rei > coroa > Coroa de Santo Eduardo > quatro florões

rei > Eduardo > Coroa de Santo Eduardo > quatro florões.

A metonímia é convergente, ou seja, sendo composta, ambas as linhas de contiguidade semântica vão ter ao mesmo conceito. Isso também acontece no estudo Salernum ~ Sal eremum relativamente ao sol.

Por outro lado, os florões são elementos habituais e característicos das coroas e mesmo que não existisse o artefacto seria possível fazer a associação; decerto com menor brilho expressivo. A figuração que estudamos é igualmente apresentada sob a forma de cruz patonce, com as hastes concavadas a crescer para o exterior, os lises mais curtos e as pétalas externas em concordância com o perímetro. Não vemos razão para alterar o nosso raciocínio mas comentamos que nesta circunstância poderíamos considerar cada inflorescência como uma coroa muito simplificada, para além dos mais óbvios florões.

[1] HERALDIC TIMES - The Arms of Edward the Confessor - s.d. : Acedido a 18 de Julho de 2012, http://heraldictimes.org/2010/12/10/the-arms-of-edward-the-confessor (inacessível).

[2] MICHELSEN, Mike - The Coat of Arms of Edward the Confessor - Mikes passing Thoughts Blog - 2010 : Acedido a 18 de Julho de 2012, disponível aqui.

[3] LUARD, Henry H. (ed.) - Lives of Edward the Confessor. La Estoire de Seint Aedward le Rei. Vita Beati Edvardi Regis et Confessoris. Vita Aeduuardi Regis qui apud Westmonasterium requiescit - Londres: Longman, 1858 : Acedido a 18 de Julho de 2012, disponível aqui.

[4] GODEFROY, Frédéric - Dictionnaire de l'Ancienne Langue Française et de tous ses Dialectes du IXème au XVème Siècle - Paris, 1880-1895 : Acedido a 18 de Julho de 2012, disponível aqui.

[5] SIDDONS, Michael - Regalia et Cérémonies du Royaume-Uni - Bulletin du Centre de Recherche du Château de Versailles, nº 2 - 2005 : Acedido a 18 de Julho de 2012, disponível aqui.

 

Eduardo o Confessor - Cruz

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (I)

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Eduardo o Confessor
Condição M Rei
Língua de Influência V Francês
Denominante A ce roi
Redundância S ce
S este aqui representado
Monossemia simples S este rei
S este rei aqui representado
Metonímia divergente S ce (roi) > ce (este) > [se]
S c(roi) < c (letra cê) < [se]
Grafemização A  C  |  R  |  O  |  I 
Fonemização denominante A k  |  R  |  w  |  a 
Emparelhamento A k  |  R  |  w  |  a 
A k  |  R  |  w  |  a 
Coeficiente de transposição A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Coeficiente de carácter A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Coeficiente de posição A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Parcelas A 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 
Índice de discrição A k = 0,0
Fonemização designante A k | R | w | a
Grafemização A C | R | O | I | S
Designante A crois
Artefacto E cruz
Monossemia simples S cruz
S cruz
Esmalte H De azul
Número H 1 uma
Figuração H cruz cruz
Simetria C radial
Orientação C imanência
Centralidade C abismo
Metonímia convergente S rei > coroa > Coroa de S. Eduardo > 4 florões
S rei > Eduardo > Coroa de S. Eduardo > 4 florões
Aspecto H rei florenciada
Localização C arrematam cada haste da cruz
Orientação C o pé para o interior
Simetria C = cruz
Esmalte H em ouro
Localização H acantonada de
Número H quatro
Figuração H merletas
Conectivo H e
Número H mais outra
Localização H em ponta
Número H todas
Esmalte H do mesmo

(próximo artigo nesta série II/VI)

 


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