Uma vez que justificámos a presença das cruzetas, é tempo agora de determinar o motivo da sua configuração e aperfeiçoar a definição do número respectivo. As fontes mostram várias quantidades ao longo do tempo; é razoável supor que não existisse disponível para as parofonias nenhuma exigência rigorosa e de aplicação universal. Foi possível, contudo, fundamentar o arranjo e o número tomando-se como ponto de partida a Torre de David.
Acreditava-se que a Torre de Phasael estivesse na antiga cidadela do Rei David, designada em sua homenagem graças a esta confusão, como Torre de David. Godofredo de Bulhão usou a Torre como seu palácio e esta situação manteve-se até 1104, quando a Cúpula do Rochedo transformou-se em residência real; ambas apareceriam em peças numismáticas locais. A Cúpula foi dada à Ordem do Templo em 1119 e os reis mudaram-se então para um novo palácio, próximo à Torre de David.
Em conformidade, o emparelhamento denominante ~ designante estabelece-se com: en Tur (fra. em Torre) ~ entur (fra. à volta). Empregou-se a preposição en em lugar de dans la (Tur) ou en la (Tur) porque deveria referir um estado ou uma situação, em vez de uma localização dentro do mencionado edifício; exemplificamos ainda com en prison e dans la prison. De facto a Torre de David refere não só a torre como também a cidadela onde foi construído o terceiro palácio dos Reis de Jerusalém.
Poderá ter actuado acessoriamente como um tributo heráldico tardio a Godofredo, mas prevalece o conceito da residência num bairro chamado Torre de David onde viveu o primeiro Rei a usar estas armas. Assim, não podemos inferir desta representação heráldica da Torre que as armas foram concebidas durante a vida do Protector do Santo Sepulcro, a menos que documentação convincente apareça para provar o oposto. Mesmo depois de perder a sua condição de paço, a construção ainda aparece durante muito tempo nas moedas dos sucessores de Godofredo. O estudo do sexto nível reforçará os indícios desta relação.
As metonímias são necessárias em especial quando o significado do designante é visualmente inadequado ou a etapa de especificação é impotente para decidir entre as opções disponíveis. Aqui não ocorrem metonimizações; o conceito de “à volta” é mais do que suficiente para os objectivos do delineamento heráldico: temos apenas de considerar as peças de que dispomos. O designante entur refere portanto que algo, entendido como as cruzetas, deve circundar uma outra entidade, interpretada como a cruz. Não existem outras figurações presentes e o inverso seria inviável.
O termo “entre”, saído do escasso vocabulário do brasonamento, é desajeitado mas engenhoso, a declarar que as cruzetas devem ser colocadas a intermediar cada dois braços adjacentes na cruz. Deixa o restante da estrutura para os complementos heráldicos de modo a alcançarem-se os resultados visuais definitivos.
As considerações acima e o visível, embora aparente, contacto físico entre todos os cinco elementos não expõem, possivelmente, uma construção semântica primitiva mas a consequência de outras necessidades fundamentais que apenas surgirão explícitas no quinto nível. Já sabemos que as primeiras versões conhecidas das cruzetas não tocam a cruz maior, ao invés disso estão espalhados ordenadamente pelos cantões. Nesta fase pode-se constatar que as cruzetas estão adjacentes à cruz mas uma vez concluído o desenho do brasão o seu aspecto vai alterar-se: as quatro figurações menores estarão situadas no meio dos cantões de uma cruz potenteia.
Referimos ainda outras complementações mais evidentes: o preenchimento será regulado pela dimensão das cruzetas a pelo espaço deixado livre nos cantões; quanto à simetria dependerá das diagonais que passam pela intersecção dos braços centrais e, simultaneamente, da própria cruz. O centro do escudo regrará a centralidade do grupo de cruzetas como já fez para a cruz, organizando uma espécie de quadrado imaginário que passa através dela.
Devemos distinguir agora três circunstâncias distintas para as características complementares das cruzetas. A primeira já foi abordada no último nível semântico onde a orientação e a simetria referiam-se aos componentes próprios a cada cruzeta. A segunda trata da sua situação isolada com respeito ao espaço envolvente. Uma terceira considera como todas as cruzetas irão relacionar-se em conjunto com os outros elementos e com o escudo. Há uma quarta situação, a incluir um componente suplementar camuflado, que será conhecida posteriormente.
Para mostrar com maior clareza a estrutura semântica seria preciso distinguir a posição e a disposição ao brasonar, como se mostra na tabela abaixo. O problema é que a disposição está incorporada no sentido de “entre” enquanto que, ao mesmo tempo, os quatro elementos menores são obstruídos pela peça principal. O brasonamento não permitirá descrever a situação com o termo “dois e dois”, previsto para contiguidades repetitivas. Em consequência, imaginou-se uma descrição alternativa que pudesse adaptar-se a esta circunstância pela junção de um “+” ou “mais” sempre que exista um espacejamento mais extenso ou outros elementos inseridos entre peças idênticas alinhadas na horizontal. Daí, o arranjo que se considera actualmente seria descrito abreviadamente como “um mais um e um mais um” ou “1 + 1 e 1 + 1”.
Vimos que até agora não houve necessidade de substanciar um número preciso de cruzetas no brasão e, de facto, elas surgem de modo distinto nos documentos mais antigos. Como ignoramos o aspecto exacto da primeira de todas as descrições das armas de Jerusalém, é possível que um entendimento posterior atribuísse algum significado àquelas quantidades dissimilares, ou mesmo conformassem-se com um arranjo coerente ao incluir um referente adicional, ou até deixando tudo à mercê do efeito de avaliações pragmáticas que não interferissem parofonicamente com os traços heráldicos correspondentes.
Entretanto, o limite inferior para a quantidade de cruzetas foi alargado. Enquanto que cions garantia ao menos dois elementos, entur acrescentará mais duas unidades a esta restrição. A cruz possui quatro reentrâncias entre os pares de braços adjacentes e cada uma deve estar provida de uma cruzeta ao menos; essas quatro são o mínimo suficiente para preencher o perímetro. Atingimos assim o número visível na representação clássica que estamos a estudar e talvez sejamos tentados a abandonar outras quantidades por injustificáveis.
No começo, a noção de “rebentos” desencadeou o aparecimento de outras versões para as armas de Jerusalém, com catorze ou quinze cruzetas. Poderíamos explicá-los como os três Evangelistas ulteriores ao enredo heráldico mais os doze Apóstolos, incluindo-se aí João e Matias, ou contando-se apenas onze Discípulos à data da crucifixão no caso das catorze cruzetas. Ademais, não seria difícil de imaginar as cruzetas dispostas à volta da cruz do Mestre como seguidores a ouvir as suas palavras, mas já assumiu-se que Ele estava definido no enredo visual como um cadáver. Talvez a ideia inicial não fosse tão específica e contasse as ditas quantidades indistintamente como uma multidão, a Igreja.
A reunião dos conceitos formais gerados pelas quatro parofonias iniciais Ézéchias ~ Exequies, Jérusalem ~ Je ruse la haine, Sion ~ Cions e en Tur ~ entur está presente na maior parte das variedades conhecidas das armas de Jerusalém: uma cruz rodeada por cruzes menores. Os níveis que se seguem terão sido um acréscimo eventual e posterior ou constituiriam uma disposição alternativa dos elementos, a desconsiderar algumas das suas características anteriormente definidas. Continuaremos com a justificação da existência estrita de apenas quatro cruzetas e a conformação simultânea da típica cruz potenteia que todos conhecemos.
Reis de Jerusalém (IV) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Domínio | R | Reis de Jerusalém | ||||||||||
Residência | M | em Torre (de David) | ||||||||||
Língua de Conquista | V | Francês | ||||||||||
Denominante | A | en Tur | ||||||||||
Grafemização | A | E | N | | T | U | R | ||||||||||
Fonemização denominante | A | ã | t | u | R\ | ||||||||||
Emparelhamento | A | ã | t | u | R\ | ||||||||||
A | ã | t | u | R\ | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 |0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 |0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0 |0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0 |0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,0 | ||||||||||
Fonemização designante | A | ã | t | u | R\ | ||||||||||
Grafemização | A | E | N | T | U | R | ||||||||||
Designante | A | entur | ||||||||||
Geometria | E | à volta | ||||||||||
Monossemia simples | S | entre | ||||||||||
S | entur | |||||||||||
Esmalte | H | De prata | ||||||||||
Número | H | uma | ||||||||||
Figuração | H | cruz | ||||||||||
Aspecto | H | potenteia | ||||||||||
Esmalte | H | de ouro | ||||||||||
Localização | H | cantões da cruz | entre | |||||||||
Simetria | C | diagonais radiais | ||||||||||
Preenchimento | C | área dos cantões | ||||||||||
Disposição | H | à volta | (1 + 1 e 1 + 1) | |||||||||
Simetria | C | cruz | ||||||||||
Centralidade | C | abismo | ||||||||||
Número | H | quatro | ||||||||||
Figuração | H | cruzetas | ||||||||||
Esmalte | H | do mesmo |
(próximo artigo nesta série V/XII)