Terça-feira, 6 de Novembro de 2012

Reis de Jerusalém: Cruz Potenteia

Reis de Jerusalém

 

Hierosolimitanos

Para além da denominação dada à residência em si, a parofonia usa demónimos ou gentílicos - nomeando os habitantes enquanto tais - uma forma habitual de mudar o referente noutra palavra que irá transformar-se em imagem. Os Reis de Jerusalém viviam na sua capital sendo por isso hierosolimitanos; seria razoável verificar se estariam incluídos, já depois da metonímia referente, nas armas que lhes correspondiam. É de lembrar que tínhamos exemplificado este comportamento parofónico noutros estudos: os demónimos Aquincenses (lat. budense), a identificar a capital da Hungria, e J'Wincestrin (ano. Eu winchestrense), em associação com a antiga capital da Inglaterra.

Após estas considerações chegámos à parofonia: Hierosolimitains (fra. hierosolimitanos) ~ Hirauts sols limitants (fra. arautos únicos limitantes). Um denominante extenso a gerar um designante de dimensão equivalente; não obstante, foi possível obter um índice de discrição k = 0,41. A combinação destas palavras é difícil de replicar por quaisquer outras e sugere que, ou se aceita a solução, ou não será possível encontrar um substituto viável através das mesmas premissas básicas.

 

Arautos e Boas Novas

O termo Hirauts (fra. arautos) é rico em acepções, definindo uma polissemia simples, capaz de produzir ao menos quatro traços heráldicos. Em representação dos Evangelistas é responsável pelas obras de João, Lucas, Marcos e Mateus, definindo portanto o número quatro. Destes derivamos as formas rectangulares, oportunistamente tomadas como quadrados a ajustarem-se aos cantões da cruz principal. Os documentos escritos daquela época usavam o pergaminho, daí que o esmalte prateado seja uma coloração própria aos livros, ao admitir-se a encadernação mais simples possível. Por fim, os Evangelhos adornavam-se frequentemente com cruzes e as cruzetas nos quadrados adaptam-se bem à sua nova condição: simples iluminuras das escrituras sagradas.

 

As Fronteiras da Cruz

O comportamento monossémico habitual reaparece nos restantes componentes do designante. Sols (fra. únicos) denota quantidade e diz que não se consentirão mais cruzetas do que as necessárias à simbologia dos quatro Evangelhos. Limitants (fra. limitantes) declara que os quatro livros obedecem às instruções fornecidas antes por entur (fra. à volta) e dispõem-se em torno da cruz, como ditava “entre”, arredado por agora deste nível semântico. Nesta declaração do designante estava-se a pensar porventura em outras variantes das armas de Jerusalém a incluir um grande número de cruzetas, uma vez que aquelas também cercavam o móvel principal. Poderia ser usada a versão alternativa sols imitants (fra. únicos imitadores), redundância de imitants × cions. Mas a parofonia iria perder demasiada solidez, o fim do primeiro vocábulo funde-se com o início do segundo e soa como [z] em vez de permanecer mudo.

Seria ainda possível que os livros e respectivas cruzetas assumissem papéis mais próximos ao enredo exequial, e talhassem a pedra junto à cruz. Esta interpretação integraria ambos os níveis semânticos em um único tema, o epitáfio, ou simplesmente transformá-los-ia num novo artefacto, talvez um selo, se acompanharmos a sugestão de Mateus 27:66 “E eles foram pôr o sepulcro em segurança, selando a pedra e confiando-o à vigilância dos guardas”.

 

A Mensagem dos Evangelhos

Ao seguir a trama do nosso enredo, poderia parecer que a importância do finado devesse impor uma conexão com hirauts. Quem eram os arautos de Jesus? Representariam necessariamente a repercussão dos seus ensinamentos; ele já não estava disponível para fazer-se ouvir. Parece-nos útil dividir as primeiras contiguidades em duas sucessões distintas. Embora “Evangelho” não apareça a concluir a primeira sequência, esta palavra ajudará a definir tudo o mais. Refira-se que, por concisão, nem sempre mencionamos algumas das transformações mais evidentes. A metonimização que se segue, a mais importante de todas, segue do arauto até a mensagem, convergindo para outra que parte de Jesus em direcção à Sua mensagem, porque “Evangelho” pode ser traduzido como um “anúncio de boas novas”:

arauto > mensageiro > mensagem

Jesus > pregador > Evangelho > mensagem

As quantidades dependem de duas metonímias simples independentes, reconhecendo a variedade dos quatro Evangelhos aceites e usando “únicos” como dissuasor de mais cruzetas:

Evangelho > Evangelistas > quatro

únicos > quatro ou menos

A forma deriva das propriedades geométricas elementares do objecto considerado:

Evangelho > livro > rectangular > quadrado

As cruzetas já existentes assumirão o carácter de desenhos simbólicos sob a forma de iluminuras:

Evangelho > pregador > Jesus > cruz(etas)

A cor dependerá do material usado na capa; poderia considerar desde uma encadernação despojada até a mais exuberante, embora apenas a primeira seja conservada:

Evangelho > livro > pergaminho > esbranquiçado

Evangelho > livro > marfim > esbranquiçado

Evangelho > livro > prata > prateada

 

Grega e Potenteia

Os livros dispõem-se sobre a cruz grega de modo a fazer surgir uma cruz potenteia aos olhos do observador. A razão pela qual os autores das armas optaram por esta obstrução parcial parece evidente: um esforço para destacar os Evangelhos, apesar da camuflagem cromática. A disposição final assegura a visibilidade de todos os quatro lados de cada um dos polígonos. Estes são brancos, a cor dos Evangelhos, sobre branco, imitando a pedra do Sepulcro e iriam desvanecer-se ao suster os cantões de uma cruz grega. A despeito desta engenhosa composição, talvez devido à influência cultural da cruz de Jerusalém, será difícil para a maior parte dos observadores detectar os quadrados de imediato.

Poderemos comparar a dita disposição e as armas da linhagem portuguesa dos Evangelho trazendo o seguinte: “de azul uma cruz de ouro cantonada por quatro besantes de prata figurados respectivamente de uma águia, um anjo, um boi e um leão”. Não se sabe se inspiraram-se nas armas de Jerusalém mas mostram ao menos que a ideia era de todo natural, ao combinarem-se os quatro livros dos Evangelhos e os quatro braços e cantões da cruz.

 

Além do Brasonamento

Para auxiliar a aplicação das nossas parofonias ao seu efeito visual objectivo, tivemos de alterar a descrição inicial do brasão (a). Os brasonamentos destinam-se a facilitar a reprodução heráldica através do seu texto mas nem sempre preservam as ideias originais. A manter a coerência, deveria constar a cruz grega em vez da cruz potenteia, mas isto complicaria ainda mais as coisas, assim, apenas adaptámos a conclusão da frase e substituímos “entre” por outras palavras mais apropriadas que reflectissem a melhor correspondência com a génese semântica de todos os traços heráldicos (b).

(a) De prata uma cruz potenteia de ouro entre quatro cruzetas do mesmo.

(b) De prata uma cruz potenteia de ouro, sustida nos cantões por quatro quadrados do primeiro, cada um carregado com uma cruzeta do segundo.

A disposição difere um pouco do que foi visto no último nível semântico, então descrita como: 1 1 & 1 1. Desta vez os quatro quadrados sustêm a cruz, querendo isso dizer que tocam com os seus lados nos espaços definidos pela cruz nos cantões. Não há qualquer abreviatura disponível para este género de arranjos de modo que imaginámos a notação: 1 | (1) | 1 & 1 | (1) | 1, que se lê: “um sustém só sustém um e um sustém só sustém um”. As barras verticais “|” designam cada sustentação através das peças individuais “1” (cada um dos quadrados) de uma outra peça no interior de um parênteses “(1)” indicando que esta é a mesma ocorrência da peça só (a cruz principal) onde quer que apareça repetida por conveniência da notação. Embora inútil na heráldica medieval, pensou-se na sua aplicação a outros fenómenos figurativos que compartilhem as mesmas ideias fundamentais, já em existência há muitas centenas de anos atrás.

 

Seguem-se as Cores

Naturalmente poderíamos considerar o couro, o metal, a madeira ou quaisquer materiais adequados à protecção dos livros mas apenas incluímos aqueles que justificassem a cor branca ou prateada. A solução metálica parece menos viável porque insinua uma cruz em ouro, que iria contradizer as proposições do próximo nível semântico. O conjunto de escolhas disponíveis parece vasto e qualquer um ficaria curioso por saber a motivação de estenderem-se os livros sobre a cruz e de evitarem-se esmaltes contrastantes. A camuflagem terá sido intencional? É difícil dizer.

O brasão dos Reis de Chipre e Jerusalém, na segunda parte deste estudo, irá justificar-se durante os seis últimos níveis semânticos. Como esta representação é idêntica à da primeira parte, poderia acontecer que uma versão tenha-se “acomodado” à outra; a coloração dos Evangelhos é precisamente um dos poucos traços heráldicos a permitir a liberdade de escolha nestas armas. Como é óbvio, não sabemos quando surgiram ambas as versões e avançar a proposição de uma génese simultânea seria, no mínimo, prematuro. Contudo, apenas no que diz respeito às armas dos Reis de Jerusalém, as considerações cromáticas finais serão tratadas no próximo artigo que analisará as possíveis razões para a infracção à “lei dos contrastes”.

 

Reis de Jerusalém - Evangelho

Reis de Jerusalém (V)

Classificação Descrição
Armas de Domínio R Reis de Jerusalém
Demónimo M Hierosolimitanos
Língua de Conquista V Francês
Denominante A Hierosolimitains
Grafemização A H|I|E|R|O|S|O|L|I|M|I|T|A|I|N|S
Fonemização denominante A je | R\ | o | z | o | l | i | m | i | t | Ẽ
Emparelhamento A je | R\ | o | z | o | l | i | m | i | t | Ẽ
A i | R\ | o | s | o | l | i | m | i | t | Ã
Coeficiente de transposição A 0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0
Coeficiente de carácter A 1,0|0,0|0,0|0,5|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,5
Coeficiente de posição A 1,5|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,5
Parcelas A 1,5|0,0|0,0|0,5|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,3
Índice de discrição A k = 0,41
Fonemização designante A i | R\ | o | s | o | l | i | m | i | t | Ã
Grafemização A H|I|R|A|U|T|S| |S|O|L|S| |L|I|M|I|T|A|N|T|S
Designante A Hirauts sols limitants
Notoriedade E arautos
Metonímia convergente S arauto > mensageiro > mensagem
S Jesus > pregador > Evangelho > mensagem
Quantidade E únicos
Geometria E limitantes
Polissemia simples S quatro + quadrados + prata + cruzetas
S arautos
Monossemia composta S quatro | (entre)
S únicos | limitantes
Esmalte H De prata
Número H uma
Figuração H cruz
Aspecto H potenteia
Esmalte H de ouro
Disposição H 1 | (1) | 1 & 1 | (1) | 1 sustida
Localização H define a cruz potenteia nos cantões
Conectivo H quadrados cruz por
Número H João, Lucas, Marcos, Mateus quatro
Metonímia simples S Evangelho > Evangelistas > quatro
Metonímia simples S únicos > quatro ou menos
Figuração H rectangular quadrados
Imanência C livro
Encobrimento C cruz grega
Orientação C imanência de livro
Metonímia simples S Evangelho > livro > rectangular > quadrado
Esmalte H esbranquiçado do primeiro
Imanência C pergaminho
Contraste C ouro, prata
Metonímia simples S Evangelho > livro > pergaminho > branco
Número H 1 + 1 + 1 + 1 cada um
Localização H Evangelho carregado
Centralidade C diagonais do quadrado
Conectivo H quadrados cruzetas com
Número H 1 uma
Metonímia simples S Evangelho > pregador > Jesus > cruz(eta)
Figuração H cruzeta
Esmalte H do segundo

 


Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 14:02
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Quarta-feira, 15 de Agosto de 2012

Eduardo o Confessor: Cinco Merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia

 

Santo Eduardo

Este artigo é breve e simples. O terceiro nível semântico trata da mudança de quatro pombas, nas moedas de Eduardo o Confessor, para cinco merletas nas suas armas de fantasia. Pela segunda vez nestas nossas análises, tal como no primeiro nível semântico, C(e) roi ~ Crois, o referente metonimiza Eduardo com a sua condição; de início como rei, agora também como santo. Talvez estes exemplos ilustrem um método suplementar para construir a metonímia do referente mas o facto é que apenas foi possível identificar algumas poucas ocorrências. A esmagadora maioria utiliza metonimizações geográficas.

Esta é a primeira ocasião nesta análise em que o nosso instrumento de verbalização é (ligeiramente) alterado de uma língua de influência, o francês arcaico, para a língua de conquista então ainda usada em Inglaterra, o anglo-normando, a despeito de quase três séculos de coexistência desde que Guilherme o Conquistador atravessou o Canal da Mancha. Resulta que a parofonia obtém-se através de Seint (ano. santo) ~ Cinc (ano. cinco); o índice de discrição correspondente é k = 0. Não nos deixemos enganar pela escrita, os sons são efectivamente iguais, [sẼ] ~ [sẼ]. Observe-se que cinc, quando isolado, pronuncia-se [sẼk], sendo alterado para [sẼ] diante de merlés (ano. merletas) ou de quaisquer outros substantivos no plural que comecem com um fonema consonantal, isto no francês contemporâneo.

 

Moedas e Escudos

Estamos em condições de compreender agora que, uma vez que as moedas foram cunhadas durante a vida do rei, não havia ainda qualquer razão para descrever a sua condição como santo. As pombas, entretanto, representavam a parofonia Edouard ~ Et due harde, visualizada nos seus soberanos de prata. A quantidade era ali apenas uma adaptação da ideia de bando de aves às “reentrâncias” disponíveis em torno da cruz.

Mas agora deparamo-nos com uma especificação muito objectiva: devemos ver cinco pássaros no brasão. O arranjo ideado para este fim usou o espaço adicional na base do escudo, indisponível na moeda, de modo a acomodar a quinta merleta. Nada mais temos a acrescentar. A ideia de “cinco” acompanha-nos desde a ocorrência como designante até a sua concretização em cinco aves. Não há qualquer hipótese de má interpretação neste percurso.

 

 Eduardo o Confessor - Cinco merletas

Eduardo o Confessor - Armas de Fantasia (III)

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Eduardo o Confessor
Condição M Santo
Língua de Conquista V Anglo-Normando
Denominante A Seint
Grafemização A  S |  E  |  I  |  N  |  T 
Fonemização denominante A s  |  Ẽ 
Emparelhamento A s  |  Ẽ 
A s  |  Ẽ 
Coeficiente de transposição A 0,0 | 0,0 
Coeficiente de carácter A 0,0 | 0,0 
Coeficiente de posição A 0,0 | 0,0 
Parcelas A 0,0 | 0,0 
Índice de discrição A k = 0,0
Fonemização designante A s | Ẽ
Grafemização A C | I | N | C
Designante A cinc
Quantidade E cinco
Monossemia simples S cinco
S cinco
Esmalte H De azul
Número H uma
Figuração H cruz
Aspecto H florenciada
Esmalte H em ouro
Localização H acantonada de
Número H 4 quatro
Figuração H merletas
Conectivo H quatro + mais outra e
Número H 1 mais outra
Localização H em ponta
Número H todas
Esmalte H do mesmo

(próximo artigo nesta série IV/VI)



Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 16:34
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Quarta-feira, 14 de Dezembro de 2011

Portingale: Dados e Pintas

 

Estas armas aparecem de início no Herald's Roll, armorial inglês do fim do século XIII, revelando alguns aspectos interessantes para a metodologia parofónica da semiótica heráldica. Apenas na imaginação representavam os soberanos respectivos e haveria algum relaxamento das regras habituais, optando-se por soluções de maior conveniência ou facilidade. Uma das simplificações é o uso da própria língua do fantasista. O método acciona a sequência recorrente (↓) que transforma palavras em imagens: Referente (R), Metonímia do Referente (M), Verbalização (V), Acomodação (A), Sematização (S), Especificação (E), Traço Heráldico (H) e Complementação (C), mostrada na tabela anexa.

A fundamentação da simbologia visual para todas as armas de fantasia é simplificada por meio de uma metonímia, quase sempre associada à denominação do território, conservando, porém, a prática relativa ao referente. Aqui o denominante é Portingal ou Portingale, usado desde o século XII descrevendo Portugal por influência das línguas aparentadas com o francês, nomeadamente o anglo-normando. Usamos a codificação X-SAMPA nas correspondências fonéticas entre o denominante e o designante, de modo a garantir a legibilidade sem comprometer o rigor. O conjunto de fonemas a comparar são iguais - Portingale ~ porte ingal - ocasionando um índice de discrição nulo. Poderíamos classificá-las como armas perfeitamente falantes.

O designante "porte ingal" é sematizado na ideia de "traz igual", ou seja, "mostra as mesmas quantidades". A metonímia simples transforma o conceito abrangente "quantidades" numa exemplificação restrita: os pontos das pintas nas três faces visíveis. Ademais, "igual" não tipifica explicitamente uma qualificação, apesar de o ser; a especificação numérica em que se transforma é significativa na heráldica. Subentenderá duas ou mais unidades do mesmo, a surgir depois no brasonamento: "cada um com". Outra solução usando "aleae" (lat. dados) parece pouco razoável, o latim é raro nas armas de fantasia parofónicas. Criaria também dificuldades que se afiguram insuperáveis na explicação da metade anterior do designante.

A acção tácita em "traz" pode interpretar-se como a vocação do escudo para mostrar figurações dentro de si, mera redundância, sem efeito discernível no traço heráldico. Numa segunda interpretação as próprias figurações, os dados, "trazem" outras, as pintas. Ocorre, portanto, a confluência desta última acepção de "traz" com "igual", metonímia composta porque os traços correspondentes das faces e das pintas reforçam o seu sentido imagético quando estão juntos.

Mas os dados não encerram em si a ideia isolada do designante. O esmalte branco, a existência, disposição e cor das pintas são elementos imanentes que adivinhamos decorrer da natureza do objecto. A razão para empregarem-se três deles talvez estivesse ligada à simplificação do desenho, mantendo a regra da boa ocupação do espaço disponível. Não menosprezaremos o papel que possa ter tido algum jogo em voga ou a preferência estético-convencional do autor do manuscrito, como para o Rei de Castela.

Os traços heráldicos regem-se de hábito pelo brasonamento, salvo quando a prática da arte ou a natureza das coisas convencionem características entendidas por omissão. Deste modo, é aceitável orientarmos as faces dos dados pela borda superior do escudo, se tal não for referido expressamente. Ou que se exponha apenas uma face por dado, decorrendo da descrição do conteúdo: "cada um com cinco pintas", sem menção às outras faces. O Llibre dels Privilegis de Mallorca do princípio do século XIV mostra cinco dados 2-1-2, em ressonância, assim parece, com os cinco escudetes portugueses. O Grimaldi's Roll, armorial contemporâneo deste, apresenta o campo em azul com seis, cinco e quatro pintas nas faces visíveis de cada cubo. Se afastarmos a possível deturpação das armas de fantasia mais antigas podemos pensar na aproximação do esmalte do escudo ao dos escudetes azuis de Portugal.

A escolha do número de pintas poderá ser imputada ao preenchimento mais eficiente do espaço. Seis é o máximo admissível para um dado e, além disso, o armorial surge muito antes da adopção dos cinco besantes de prata em aspa no escudo nacional. Contudo, a disposição tradicional alternada em quincôncio dos onze besantes remete à sua forma mais simples, a quina. Caso tenham sido influenciados pelo brasão português, satisfariam simultaneamente a lógica destas e do artefacto.

Uma outra questão é saber porquê não se terão utilizado as armas verdadeiras do Rei de Portugal. O escudo português seria desconhecido pelo autor? Nada afiançamos mas a resposta parece afirmativa, pelo menos quanto ao conhecimento dos seus pormenores exactos. Exemplos de divergência absoluta podem ser encontrados no mesmo pergaminho: os reis da Dinamarca e da Noruega; para o rei de Castela encontramos três castelos em vez de um. Também não ocorria nenhum estado de beligerância que nos fizesse suspeitar do desvirtuamento propositado.

O campo vermelho ajuda a organizar e completar a composição. Uma mesa de jogo feita em madeira poderia ser o fundo adequado ao cenário lúdico, já que os três dados são vistos de cima. Vários exemplos do nosso corpus apontam para a representação deste material em tons amarelos ou avermelhados, não fugindo demasiado à verdade; falta o castanho no reportório habitual dos brasões. Impedido o primeiro esmalte por menor contraste com o branco resta o segundo.

O fenómeno de complementação manifesta-se de várias formas. Preenche as lacunas deixadas pelos traços heráldicos de carácter semântico e pelo brasonamento mas, de ordinário, está implícito. Encontramos contrastes, imitações, adereços, imanências, simetrias, preenchimentos, centralidades, simplificações e redundâncias. Estas últimas nunca são referidas ao brasonar, por desnecessário.

Ver sobre este assunto:

ANOH - The Anglo-Norman On-Line Hub - Acedido a 13 de Dezembro de 2011 disponível em: <http://www.anglo-norman.net>.

TIMMS, B. - Heraldry - 2011 : Acedido a 13 de Dezembro de 2011 disponível em: <http://www.briantimms.net>.

 

 


Portugal - Armas de Fantasia II

Classificação Descrição
Armas de Fantasia R Rei de Portugal
Territorial M Portugal
Língua de Fantasia V Portingale (anglo-normando)
Denominante A Portingale
Grafemização A PORTINGALE 
Fonemização denominante A pORtGal 
Emparelhamento A pORtGal   
A pORtGal   
Coeficiente de transposição A 0,00,00,00,00,00,00,00,0   
Coeficiente de carácter A 0,00,00,00,00,00,00,00,0   
Coeficiente de posição A 1,51,01,01,01,01,01,00,5   
Parcelas A 0,00,00,00,00,00,00,00,0   
Índice de discrição A 0,0   
Fonemização designante A pORtGal
Grafemização A PORTE_INGAL
Designante A porte   ingal
Monossemia simples S traz igual
S mostra as mesmas quantidades
Acção + Quantidade E exibir + iguais
Redundância C traz = brasona
Esmalte H avermelhado De vermelho
Contraste C prata
Adereço C mesa de jogo
Número H 3 três
Figuração H dado dados
Simplificação C = face pontuável
Esmalte H esbranquiçado de prata
Imanência C dado
Orientação H horizontal(direitos)
Simplificação C = borda superior
Disposição H 2, 1(em contra-roquete)
Preenchimento C área do escudo
Simetria C eixo do escudo
Centralidade C coração do escudo
Metonímia composta 1/2 S traz > área > face > dado
Localização H pintas nas faces cada um com
Metonímia composta 2/2 S iguais > faces > pintas
Número H 5 cinco
Metonímia simples S quantidade > pontos > dado > pintas
Figuração H pinta pintas
Imanência C dado
Esmalte H escuro(negras)
Contraste C prata
Imanência C dado
Disposição H 2, 1, 2(postas em sautor)
Preenchimento C (quincôncio)
Imitação C (besantes)
Imanência C dado

 (próxima análise neste blog aqui)



Publicado por 5x11 - Carlos da Fonte às 21:43
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