Tive a honra e o privilégio de ser incluído entre os autores da colectânea de textos da obra Estudos de Heráldica Medieval. É uma edição do Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa e do Centro Lusíada de Estudos Genealógicos e Heráldicos da Universidade Lusíada de Lisboa, publicada pela Editora Caminhos Romanos com a coordenação do Prof. Doutor Miguel Metelo de Seixas e da Profª Doutora Maria de Lurdes Rosa.
Será apresentada no próximo dia 14 de Setembro pelas 19:00h na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, integrando-se no Dia Aberto de Heráldica Medieval, promovido pelo IEM, CLEGH e Instituto Português de Heráldica. A programação tomará todo a jornada: de manhã, a partir das 10:00h na Universidade Lusíada de Lisboa (Rua da Junqueira 188 a 198, Auditório) e à tarde, a partir das 15:00h, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (Avenida de Berna, 26-C, edifício I&D, sala Multiusos 2, piso 4).
A minha modesta contribuição Armas Primitivas de Portugal, novos Contributos, é uma tentativa de resumo do trabalho desenvolvido durante a tese de mestrado. Esta achava-se já algo ultrapassada pela investigação entretanto levada a cabo, contudo ainda pouco conhecida em muitos meios especializados. Corrigem-se ademais algumas imprecisões e acrescenta-se o importantíssimo nível semântico correspondente ao nosso primeiro rei além de outro referente à sua morada, este último de aceitação ainda muito incerta. Paralelamente desenvolvem-se considerações semelhantes sobre as armas dos reis de Leão, que parecem partilhar algum comportamento estrutural e possivelmente traços heráldicos idênticos.
O núcleo das armas primitivas dos reis portugueses encontra-se já bastante bem estudado por mim pelo que é possível dizer com alguma segurança, necessariamente sustentada por evidências históricas referenciadas, que deverão de facto corresponder a uma intenção parofónica de quem quer que tenha sido o criador do brasão, ao que parece ainda durante o reinado de D. Afonso Henriques. Julgo assim razoavelmente demonstrados os seguintes traços heráldicos e respectivos níveis semânticos:
Os onze "besantes", correspondentes ao Rio Mondego,
O esmalte azul do campo dos escudetes, representando a Cidade de Coimbra,
Os escudetes, associados a D. Afonso Henriques.
Discutem-se ainda o número, disposição e orientação dos escudetes bem como o esmalte do campo, carecendo ainda de mais testemunhos que possam amparar ou refutar as análises ali feitas. Lembro que o texto da tese pode ser descarregado no menu ao alto desta página (download), encontrando-se também aí algumas respostas às objecções mais frequentes (discussão). Comparecerei ao lançamento do livro em Lisboa, ficando então às vossas ordens para quaisquer perguntas que possam adequar-se àquela ocasião.
Escudo assinalado no Armorial de Zurique (Zürcher Wappenrolle) que se data de meados do século XIV, acompanhando várias outras armas de fantasia. Para a nossa análise tem o benefício de ser consensualmente reconhecido como falante, pelo menos na metade anterior relativa à porta. Os autores do texto e dos brasões parecem ter sido a mesma pessoa, inferindo-se daí uma data de execução simultânea. Apresenta ainda alguns acrescentamentos de mão distinta com letra do século XVI, entre os quais se incluem estas armas que agora estudamos. A interpretação da legenda correspondente seria segundo uns Portugal rex[1], em latim, ou segundo outros Portegalien[2], mais germanizada mas duvidosa. Inclinamo-nos pela a primeira versão, se bem que a leitura seja difícil mas haverá poucas dúvidas de que aquele escudo dizia respeito a Portugal.
Ademais da apreciação paleográfica, algumas destas inscrições suplementares surgem na forma alatinada: Hispania, Britania, Arragon, enquanto outras são decididamente germânicas: Schotten, Rom e Frankreich[3]. De qualquer modo, tratando-se de aditamento tardio, em pouco ou nada influenciaria os considerandos sobre a construção do denominante. Tampouco seria determinativo o idioma usado numa possível legenda original, dado que o brasonamento poderia ser cópia de um armorial precedente ou até de sua própria criação, sem que a verbalização da metonímia do referente seguisse necessariamente o texto. Isso parece acontecer com pouca frequência nos brasões fantasiosos, acreditamos contudo ter ocorrido aqui, empregando-se o latim.
O confronto com outros pergaminhos mostra armas de fantasia comuns ou muito semelhantes entre si como as de Jerusalém, Ruténia e Satrápia. Poderíamos ainda compará-las no presente documento com as entradas: Navarra, Inglaterra e Dinamarca que estão incompletas ou equivocadas, mas tal não se dá, ao tratarem-se, plausivelmente, de armas fantásticas inéditas. Volta-a pôr-se a pergunta do artigo anterior: desconheceria o autor a heráldica verdadeira do rei português? A resposta deverá ser igual; talvez haja mesmo um desconhecimento ainda maior porque não poderemos, de modo nenhum, afirmar a associação do esmalte azul e do besante dourado deste caso com as armas portuguesas.
O denominante parece derivar do referente Portugal enquanto território, a acreditar no texto junto às demais entradas originais do Armorial. Recorremos de seguida à lingua-franca latina, que classificamos desta vez como língua de fantasia, para constituir Portucalis em denominante[4]. A solução encontrada no par denominante-designante: Portucalis ~ porta cales, não é uma parofonia perfeita como o antecedente Portingale ~ porte ingal tratado em Portugal - Armas de Fantasia II, pois apresenta agora um índice de discrição k=0,30. Melhorámos, contudo, a proposta apresentada na dissertação: Portegalien ~ porta galla. E isto não só pelo critério da valorização do índice k mas também pelo hibridismo germano-latino aventado inicialmente e pela falta de integração com os traços restantes do escudo.
Pormenorizaremos a sequência de cálculo. Começamos por emparelhar as palavras, de modo a verificarmos coerentemente os sons a corresponderem-se em ambas, tendo-se achado o total de n=10 fonemas para cada um. Já sabemos que fonemas correspondentes idênticos sofrem penalização nula e que não ocorrendo, como dá-se frequentemente, deixarão de contribuir para o somatório, efectuado carácter a carácter. Da mesma maneira não encontramos transposições fonéticas e o coeficiente respectivo é nulo em todos os pares de fonemas. Existem apenas duas transformações. A primeira, mais notória, de /u/ em /a/, penaliza-se com o coeficiente de carácter c=1,0; a segunda, mais ligeira, de /i/ em /e/, recebe a penalização c=0,5. Quanto à penalização pelo lugar ocupado pelos fonemas nos vocábulos acham-se ambos no seu interior, implicando coeficientes de posição iguais p=1,0. Multiplicamos membro a membro e somamos obtendo o valor intermédio 1,0 x 1,0 + 0,5 x 1,0 = 1,50, cujo resultado multiplica-se pelo quociente 2/max(10,10) = 2/10 = 0,2, obtendo-se 1,50 x 0,2 e k=0,3. Sendo o índice de discrição k inferior à unidade podemos aceitar a proposição Portucalis ~ porta cales como parofonia heráldica.
O designante porta (lat. porta) cales (lat. estás quente) constitui uma monossemia composta por exprimir dois sentidos diferentes e ocasionar outros tantos traços heráldicos distintos, porém integrados semanticamente mediante composição metonímica. A porta está bem visível no traço heráldico e não oferece dificuldades de monta. O segundo termo, cales, ao integrar-se no ambiente estabelecido por porta, metonimizar-se-á em: estás quente > lugar quente. Deveríamos então responder à pergunta - Qual o lugar quente provido de uma porta? Pareceria aceitável prosseguirmos a metonimização assim: estás quente > lugar quente > Inferno. Esta solução mostra muito boa sintonia com a outra parte da metonímia composta, a convergir por meio do designante através de: porta > morada > Inferno.
Mesmo se pudermos considerar estes argumentos razoáveis não é nada razoável supor que o hipotético desenho do campo vermelho com uma porta pudesse ser entendido como o endereço de Satanás. Era preciso, consequentemente, refinar o arranjo, sem desobedecer à norma básica da simplificação a regrar o brasonamento medieval. Pensamos ter-se recorrido a opor um Céu ao Inferno, de modo que esta oposição afastasse quaisquer incertezas quanto ao assunto tratado. Complementou-se também o traço heráldico recorrendo a uma única metonímia do referente, desconsiderando desenhos por demais trabalhosos, como convirá e aparece recorrentemente na fantasia armorial.
O Inferno vê-se parcialmente no esmalte vermelho do vão da porta que, por sua vez, se representa a si mesma no designante porta. O Céu é o esmalte azul externo, enquanto o Sol, astro celeste por excelência e, neste aspecto, algo redundante, será pretensamente responsável pelo calor do Inferno, sem dúvida graças à Mão Divina. O astro-rei é uma simplificação, transformado em besante ou mesmo em bola[5]. O facto de não aparecer radiante como se usa no brasonamento pode explicar-se por emergir na etapa de sematização. Não se trata de peça principal, a gozar da plenitude semântica ou, caso secundária, de complementação inteiramente desprovida de sentido.
Na forma de adereço, o Sol é um elemento necessário ao entendimento da sematização do Céu, com o traço azul, e do Inferno, com o traço vermelho, inspirado secundariamente no calor solar. Apesar disso, incorpora alguma simplificação, além de imanências e contraste na sua outra qualidade de complemento visual. Algumas destas ideias poderiam ter nascido das numerosas passagens bíblicas à disposição dos autores, influência habitual na época, como por exemplo[6]: " ... Eles subiram a planície da terra e cercaram o acampamento dos santos e a cidade predilecta. Mas um fogo que caiu do céu devorou-os. O Diabo, que os tinha enganado, foi precipitado no lago de fogo e de enxofre, onde também estão a Besta e o Falso Profeta ... ".
As complementações usadas não modificam o desenho excepto em pormenores, quase todos demasiado notórios, como a orientação horizontal da porta, os contrastes e as imanências. No que se refere às duas folhas da porta, elas são necessárias pela simetria do traçado. Há a exigência semântica de mostrar o interior encarnado, conduzindo ao traço heráldico da porta aberta, inevitavelmente desequilibrada se apresentasse uma só folha. Os esmaltes do aro e da porta são da mesma cor, justificáveis pela regra da simplificação mas também coerentes com as cores da pedra e do metal a eles correspondentes. A madeira pareceria inadaptada a um Inferno abrasador. Inexistindo a parede reforça-se a ideia dissimulada ou recôndita atribuída à localização do abismo infernal. Por último, acrescentamos que não se põe a possibilidade de considerar apenas o arco e daí representar o Inferno sem porta. Isso seria, literalmente, deixar o Diabo à solta ![7]
[1] RUNGE, Heinrich - Die Wappenrolle von Zürich - Ein Heraldisches Denkmal des Vierzehnten Jahrhunderts - Zurique: Antiquarischen Gesellschaft in Zürich, 1860.
[2] CLEMMENSEN, Steen - The Zürich Armorial (Wappenrolle von Zürich) - Farum: Acedido a 31 de Janeiro de 2012, disponível em: <http://www.armorial.dk>, 2009.
[3] BIGALSKI, Gerrit - The Zürich Roll of Arms - Acedido a 31 de Janeiro de 2012, disponível em: < http://www.silverdragon.org/HERALDRY>, [s.d.].
[4] A sequência recorrente: referente - metonímia do referente - verbalização - acomodação - sematização - especificação - traço heráldico - complementação, é a mesma do exemplo anterior e está desdobrada na tabela que segue mais abaixo.
[5] Talvez porque aparente estar sustida pela porta.
[6] Ap 20, 9-10, ver AA. VV. - Bíblia Sagrada - Lisboa e Fátima: Difusora Bíblica, 4ª ed. 2003.
[7] Repetem-se, por comodidade, as abreviaturas menos evidentes usadas na tabela: Referente (R), Metonímia do Referente (M), Verbalização (V), Acomodação (A), Sematização (S), Especificação (E), Traço Heráldico (H) e Complementação (C).
Portugal - Armas de Fantasia I | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Portugal | ||||||||||
Territorial | M | Portugal | ||||||||||
Língua de Fantasia | V | Portucalis (latim) | ||||||||||
Denominante | A | Portucalis | ||||||||||
Grafemização | A | P | O | R | T | U | C | A | L | I | S | ||||||||||
Fonemização denominante | A | [ p | O | r | t | u | k | a | l | i | s ] | ||||||||||
Emparelhamento | A | [ p | O | r | t | u | k | a | l | i | s ] | ||||||||||
A | [ p | O | r | t | a | k | a | l | e | s ] | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|0,5|0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|0,5|0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,30 | ||||||||||
Fonemização designante | A | [ p | O | r | t | a | _ | k | a | l | e | s ] | ||||||||||
Grafemização | A | P | O | r | T | A | _ | C | A | L | E | S | ||||||||||
Designante | A | porta | cales | ||||||||||
Monossemia composta | S | porta | estás quente | ||||||||||
S | porta | lugar quente | |||||||||||
Arquitectura + Notoriedade | E | porta + Inferno | ||||||||||
Esmalte | H | céu | De azul | |||||||||
Contraste | C | prata, ouro | ||||||||||
Oposição | S | Inferno x Céu | ||||||||||
Número | H | 1 | uma | |||||||||
Figuração | H | porta | porta | |||||||||
Preenchimento | C | área do escudo | ||||||||||
Simetria | C | eixo do escudo | ||||||||||
Orientação | C | horizontal | ||||||||||
Centralidade | C | coração do escudo | ||||||||||
Conectivo | H | porta + folhas | com | |||||||||
Número | H | 2 | duas | |||||||||
Figuração | H | metades | folhas | |||||||||
Imanência | C | porta + Inferno | ||||||||||
Simetria | C | porta | ||||||||||
Atitude | H | deixando ver o Inferno | abertas | |||||||||
Esmalte | H | metálico | de prata | |||||||||
Contraste | C | azul, vermelho | ||||||||||
Conectivo | H | porta + vermelho | iluminada | |||||||||
Metonímia composta 1/2 | S | porta > morada > Inferno | ||||||||||
Esmalte | H | quente | de vermelho | |||||||||
Imanência | C | Inferno | ||||||||||
Contraste | C | prata | ||||||||||
Metonímia composta 2/2 | S | estás quente > lugar quente > Inferno | ||||||||||
Disposição | H | 1, 1 | encimada por | |||||||||
Número | H | 1 | um | |||||||||
Figuração | H | redondo | besante | |||||||||
Imanência | C | Sol | ||||||||||
Simplificação | C | desprovido de raios | ||||||||||
Adereço | C | astro celeste diurno | ||||||||||
Adereço | C | fonte de calor | ||||||||||
Esmalte | H | dourado | de ouro | |||||||||
Imanência | C | Sol | ||||||||||
Contraste | C | azul |
(próxima análise neste blog aqui)
Estas armas aparecem de início no Herald's Roll, armorial inglês do fim do século XIII, revelando alguns aspectos interessantes para a metodologia parofónica da semiótica heráldica. Apenas na imaginação representavam os soberanos respectivos e haveria algum relaxamento das regras habituais, optando-se por soluções de maior conveniência ou facilidade. Uma das simplificações é o uso da própria língua do fantasista. O método acciona a sequência recorrente (↓) que transforma palavras em imagens: Referente (R), Metonímia do Referente (M), Verbalização (V), Acomodação (A), Sematização (S), Especificação (E), Traço Heráldico (H) e Complementação (C), mostrada na tabela anexa.
A fundamentação da simbologia visual para todas as armas de fantasia é simplificada por meio de uma metonímia, quase sempre associada à denominação do território, conservando, porém, a prática relativa ao referente. Aqui o denominante é Portingal ou Portingale, usado desde o século XII descrevendo Portugal por influência das línguas aparentadas com o francês, nomeadamente o anglo-normando. Usamos a codificação X-SAMPA nas correspondências fonéticas entre o denominante e o designante, de modo a garantir a legibilidade sem comprometer o rigor. O conjunto de fonemas a comparar são iguais - Portingale ~ porte ingal - ocasionando um índice de discrição nulo. Poderíamos classificá-las como armas perfeitamente falantes.
O designante "porte ingal" é sematizado na ideia de "traz igual", ou seja, "mostra as mesmas quantidades". A metonímia simples transforma o conceito abrangente "quantidades" numa exemplificação restrita: os pontos das pintas nas três faces visíveis. Ademais, "igual" não tipifica explicitamente uma qualificação, apesar de o ser; a especificação numérica em que se transforma é significativa na heráldica. Subentenderá duas ou mais unidades do mesmo, a surgir depois no brasonamento: "cada um com". Outra solução usando "aleae" (lat. dados) parece pouco razoável, o latim é raro nas armas de fantasia parofónicas. Criaria também dificuldades que se afiguram insuperáveis na explicação da metade anterior do designante.
A acção tácita em "traz" pode interpretar-se como a vocação do escudo para mostrar figurações dentro de si, mera redundância, sem efeito discernível no traço heráldico. Numa segunda interpretação as próprias figurações, os dados, "trazem" outras, as pintas. Ocorre, portanto, a confluência desta última acepção de "traz" com "igual", metonímia composta porque os traços correspondentes das faces e das pintas reforçam o seu sentido imagético quando estão juntos.
Mas os dados não encerram em si a ideia isolada do designante. O esmalte branco, a existência, disposição e cor das pintas são elementos imanentes que adivinhamos decorrer da natureza do objecto. A razão para empregarem-se três deles talvez estivesse ligada à simplificação do desenho, mantendo a regra da boa ocupação do espaço disponível. Não menosprezaremos o papel que possa ter tido algum jogo em voga ou a preferência estético-convencional do autor do manuscrito, como para o Rei de Castela.
Os traços heráldicos regem-se de hábito pelo brasonamento, salvo quando a prática da arte ou a natureza das coisas convencionem características entendidas por omissão. Deste modo, é aceitável orientarmos as faces dos dados pela borda superior do escudo, se tal não for referido expressamente. Ou que se exponha apenas uma face por dado, decorrendo da descrição do conteúdo: "cada um com cinco pintas", sem menção às outras faces. O Llibre dels Privilegis de Mallorca do princípio do século XIV mostra cinco dados 2-1-2, em ressonância, assim parece, com os cinco escudetes portugueses. O Grimaldi's Roll, armorial contemporâneo deste, apresenta o campo em azul com seis, cinco e quatro pintas nas faces visíveis de cada cubo. Se afastarmos a possível deturpação das armas de fantasia mais antigas podemos pensar na aproximação do esmalte do escudo ao dos escudetes azuis de Portugal.
A escolha do número de pintas poderá ser imputada ao preenchimento mais eficiente do espaço. Seis é o máximo admissível para um dado e, além disso, o armorial surge muito antes da adopção dos cinco besantes de prata em aspa no escudo nacional. Contudo, a disposição tradicional alternada em quincôncio dos onze besantes remete à sua forma mais simples, a quina. Caso tenham sido influenciados pelo brasão português, satisfariam simultaneamente a lógica destas e do artefacto.
Uma outra questão é saber porquê não se terão utilizado as armas verdadeiras do Rei de Portugal. O escudo português seria desconhecido pelo autor? Nada afiançamos mas a resposta parece afirmativa, pelo menos quanto ao conhecimento dos seus pormenores exactos. Exemplos de divergência absoluta podem ser encontrados no mesmo pergaminho: os reis da Dinamarca e da Noruega; para o rei de Castela encontramos três castelos em vez de um. Também não ocorria nenhum estado de beligerância que nos fizesse suspeitar do desvirtuamento propositado.
O campo vermelho ajuda a organizar e completar a composição. Uma mesa de jogo feita em madeira poderia ser o fundo adequado ao cenário lúdico, já que os três dados são vistos de cima. Vários exemplos do nosso corpus apontam para a representação deste material em tons amarelos ou avermelhados, não fugindo demasiado à verdade; falta o castanho no reportório habitual dos brasões. Impedido o primeiro esmalte por menor contraste com o branco resta o segundo.
O fenómeno de complementação manifesta-se de várias formas. Preenche as lacunas deixadas pelos traços heráldicos de carácter semântico e pelo brasonamento mas, de ordinário, está implícito. Encontramos contrastes, imitações, adereços, imanências, simetrias, preenchimentos, centralidades, simplificações e redundâncias. Estas últimas nunca são referidas ao brasonar, por desnecessário.
Ver sobre este assunto:
ANOH - The Anglo-Norman On-Line Hub - Acedido a 13 de Dezembro de 2011 disponível em: <http://www.anglo-norman.net>.
TIMMS, B. - Heraldry - 2011 : Acedido a 13 de Dezembro de 2011 disponível em: <http://www.briantimms.net>.
Portugal - Armas de Fantasia II | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Rei de Portugal | ||||||||||
Territorial | M | Portugal | ||||||||||
Língua de Fantasia | V | Portingale (anglo-normando) | ||||||||||
Denominante | A | Portingale | ||||||||||
Grafemização | A | P | O | R | T | I | N | G | A | L | E | |
Fonemização denominante | A | p | O | R | t | Ẽ | G | a | l | |||
Emparelhamento | A | p | O | R | t | Ẽ | G | a | l | |||
A | p | O | R | t | Ẽ | G | a | l | ||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | |||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | |||
Coeficiente de posição | A | 1,5 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 1,0 | 0,5 | |||
Parcelas | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | |||
Índice de discrição | A | 0,0 | ||||||||||
Fonemização designante | A | p | O | R | t | Ẽ | G | a | l | |||
Grafemização | A | P | O | R | T | E | _ | I | N | G | A | L |
Designante | A | porte | ingal | |||||||||
Monossemia simples | S | traz | igual | |||||||||
S | mostra as mesmas quantidades | |||||||||||
Acção + Quantidade | E | exibir + iguais | ||||||||||
Redundância | C | traz = brasona | ||||||||||
Esmalte | H | avermelhado | De vermelho | |||||||||
Contraste | C | prata | ||||||||||
Adereço | C | mesa de jogo | ||||||||||
Número | H | 3 | três | |||||||||
Figuração | H | dado | dados | |||||||||
Simplificação | C | = face pontuável | ||||||||||
Esmalte | H | esbranquiçado | de prata | |||||||||
Imanência | C | dado | ||||||||||
Orientação | H | horizontal | (direitos) | |||||||||
Simplificação | C | = borda superior | ||||||||||
Disposição | H | 2, 1 | (em contra-roquete) | |||||||||
Preenchimento | C | área do escudo | ||||||||||
Simetria | C | eixo do escudo | ||||||||||
Centralidade | C | coração do escudo | ||||||||||
Metonímia composta 1/2 | S | traz > área > face > dado | ||||||||||
Localização | H | pintas nas faces | cada um com | |||||||||
Metonímia composta 2/2 | S | iguais > faces > pintas | ||||||||||
Número | H | 5 | cinco | |||||||||
Metonímia simples | S | quantidade > pontos > dado > pintas | ||||||||||
Figuração | H | pinta | pintas | |||||||||
Imanência | C | dado | ||||||||||
Esmalte | H | escuro | (negras) | |||||||||
Contraste | C | prata | ||||||||||
Imanência | C | dado | ||||||||||
Disposição | H | 2, 1, 2 | (postas em sautor) | |||||||||
Preenchimento | C | (quincôncio) | ||||||||||
Imitação | C | (besantes) | ||||||||||
Imanência | C | dado |
(próxima análise neste blog aqui)