Terminamos o estudo pelo primeiro nível semântico por expor-se melhor nesta ordem a organização das armas de Sagremor. Isso não quer dizer que o autor do brasão tenha adoptado uma qualquer sequência predeterminada; pelo contrário, deve ter ensaiado várias possibilidades antes de dar o trabalho por findo. A parofonia é descrita por Ungaria (lat. Hungria) ~ Ungo (lat. unto) area (lat. área), talvez a mais evidente de todas, dado o cognome aposto a Sagremor: o Húngaro. Os seus resultados visuais, muito singelos, diríamos quase exigirem outros componentes que viessem a preencher a excessiva simplicidade de um escudo pleno em vermelho. Convém acrescentar que como nos antecedentes, mantém-se a razoabilidade de um índice de discrição baixo: k = 0,25 e que ao estimar este indicador recorremos à ditongação de oa em ungo area, a emparelhar com Ungaria para alterar-se em Ungoarea.
O tema da parofonia parece afastar-se dos hábitos adquiridos em Aquincenses ~ Ac quini sentes e em Danubius ~ Da nubis ao compor indirectamente o “céu” suposto no pano de fundo das estrelas e da nuvem. Este afastamento é verdadeiro quanto ao modo de sematização da parofonia mas não quanto à representação em si mesma. É perfeitamente possível um céu vermelho à tarde ou pela manhã, admitindo ainda nestas ocasiões a visibilidade da nuvem e das estrelas ou dos planetas mais brilhantes. Contudo, ungo vai aplicar-se primariamente sobre a superfície do escudo especificada em area e apenas depois sobre os céus, como consequência natural do conjunto imagético que se pressupõe coerente. A sematização estabelece a metonímia: área > campo > campo do escudo > escudo. Encontramos um paralelo da unção dos escudos neste trecho do Segundo Livro de Samuel: “... O escudo de Saul não foi ungido com óleo, mas com o sangue dos feridos e a gordura dos guerreiros ...”[1]. Tal como nos escudos medievais feitos de madeira e recobertos de couro a boa manutenção exigia uma protecção periódica. Não será, todavia, o óleo a colorir o artefacto de defesa usado por Sagremor, mas a ideia implícita de que era feito ou recoberto de couro, logo avermelhado ou acastanhado, colorações passíveis de inspirar o esmalte vermelho na representação do escudo heráldico.
A conjugação cromática aparenta ser arbitrária mas as dúvidas desvanecem-se ao examinarmos em pormenor a análise já efectuada. A seleccionarem-se convenientemente cores naturais, as estrelas fora do cantão serão amarelas, brancas ou azuis. Do mesmo modo a nuvem poderia ser branca ou negra, enquanto que o escudo de couro tratado pelo tanino apenas admitiria o vermelho. Quanto à estrela encoberta consentiria o negro ou eventualmente o branco, como “descoloração” do outro esmalte estelar que representasse a luz. Ficamos com as seguintes possibilidades, dispondo as cores pela ordem: estrelas, campo, cantão, estrela do cantão.
Azul + Vermelho + Negro + Prata (não)
Azul + Vermelho + Negro + Negro (não)
Azul + Vermelho + Prata + Prata (não)
Azul + Vermelho + Prata + Negro (não)
Ouro + Vermelho + Negro + Prata (não)
Ouro + Vermelho + Negro + Negro (não)
Ouro + Vermelho + Prata + Prata (não)
Ouro + Vermelho + Prata + Negro (sim)
Prata + Vermelho + Negro + Prata (não)
Prata + Vermelho + Negro + Negro (não)
Prata + Vermelho + Prata + Prata (não)
Prata + Vermelho + Prata + Negro (sim)
É possível observar que das doze hipóteses apenas duas são inteiramente admissíveis. Grande parte das opções é rejeitada pela aplicação da lei dos contrastes. Duas estarão no limite da admissibilidade ao incluir uma nuvem negra, que estimamos não fosse de primeira escolha, além de figurar o esmalte vermelho vizinho ao negro, apesar de por vezes encontrarem-se juntos na heráldica. Finalmente, restam dois arranjos bem-sucedidos dos quais um repete o esmalte do par de estrelas iguais na nuvem, proposta mais pobre do que a oitava combinação, coincidente com a escolha do brasão de Sagremor, o que não nos surpreende.
Poderíamos ser tentados a associar ungo com a unção das sagrações reais, por Sagremor descender do rei da Hungria e da filha do imperador de Constantinopla. Ainda assim, a experiência nos aconselha a não confundir os planos semânticos da parofonia com os planos estritamente biográficos, não se exceptuando os fantasiosos. A obtenção do desenho está isolada de outros relacionamentos que não os estabelecidos pela metonimização do referente. Mesmo dando-se o caso da possibilidade de escolha entre vários traços heráldicos, temos observado a preferência de acompanhamento dos estilos visuais de cada época, ao invés de escolhas baseadas no percurso particular do representado. Tal porém já não acontece nas armas alusivas.
Apesar disso considerou-se o próprio nome de Sagremor, com uma solução do tipo Sagremor ~ Sacre (fra. sagração) en or (fra. em ouro), seguindo-se contudo os procedimentos habituais. Assim a unção, ao menos desta vez, ligar-se-ia à entronização dos seus ascendentes e imaginaríamos as estrelas como manchas de óleo sobre as vestes régias em vermelho, cor já usada nas cerimónias medievais. O componente en or diria respeito aos utensílios necessários à guarda e aplicação do óleo, também referenciáveis pela história. Esta solução entra em conflito com o plano semântico apresentado anteriormente, que favorece ungo na forma de acção utilitária. Para mais, teríamos de explicar o cantão e a estrela negra, dificuldade de resolução improvável. Preferimos imaginar aqui uma possível interpretação textual, redundante com o que já se propôs, mas de nenhum modo ligada à proposta semântica visual. Resta-nos aguardar por outros estudos sobre os Cavaleiros da Távola Redonda para decidir sobre a existência de algum padrão comum quanto ao uso da antroponímia dos armigerados.
[1] 2 Sm 1, 21-22.
Sagremor - Armas de Fantasia (I) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Sagremor | ||||||||||
Território | M | Hungria | ||||||||||
Língua de Fantasia | V | Ungaria (latim) | ||||||||||
Denominante | A | Ungaria | ||||||||||
Grafemização | A | U | N | G | A | R | I | A | ||||||||||
Fonemização denominante | A | u | N | G | a | 4 | i | a | ||||||||||
Emparelhamento | A | u | N | G | a | 4 | i | a | ||||||||||
A | u | N | G | oa | 4 | e | a | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 1,0 | 0,0 | 1,0 | 0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,25 | ||||||||||
Fonemização designante | A | u | N | G | o | | a | 4 | e | a | ||||||||||
Grafemização | A | U | N | G | O | | A | R | E | A | ||||||||||
Designante | A | ungo | area | ||||||||||
Acção + Geometria | E | unto + área | ||||||||||
Monossemia simples | S | vermelho | ||||||||||
S | unto o escudo | |||||||||||
Metonímia simples | S | área > campo > campo do escudo > escudo | ||||||||||
Esmalte | H | avermelhado | De vermelho | |||||||||
Imanência | C | couro | ||||||||||
Contraste | C | ouro, prata | ||||||||||
Número | H | um | ||||||||||
Separação | H | cantão | ||||||||||
Esmalte | H | de prata | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | três | ||||||||||
Figuração | H | estrelas de cinco pontas | ||||||||||
Número | H | duas | ||||||||||
Esmalte | H | de ouro | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | uma | ||||||||||
Esmalte | H | de negro | ||||||||||
Localização | H | no cantão |
(próxima análise neste blog aqui)
Continuaremos a caracterizar as armas de Sagremor neste terceiro plano semântico. Estabelecidas as coordenadas húngaras das metonímias referentes, é natural que se continue pelo mesmo tom, obedecendo à restrita tipologia definida nos quase dois mil traços heráldicos já investigados. Para Sagremor encontrámos num primeiro nível semântico a metonimização do seu referente em território, em gentílico no segundo e finalmente em hidrónimo no que iremos desenvolver a seguir.
Continuando com a expressão verbalizante em latim, achamo-nos desta vez perante o majestoso rio de Budapeste, o denominante Danubius (lat. Danúbio). Resulta num índice de discrição bastante favorável, k = 0,14, parófono ao designante da (lat. diz) nubis (lat. nuvem). Ressaltamos tomar-se iu em Danubius como ditongo, porque este i é breve, figurando assim numa única célula a emparelhar com o outro i de nubis. Note-se que a contagem do número máximo de fonemas alterou-se de oito para sete por este motivo. O verbo do (lat. dar) possui um grande número de acepções, das quais algumas poderiam ser usadas no contexto. Pensamos, contudo, que a forma imperativa da segunda pessoa é a mais adequada, com o sentido de “Diz!” ou “Explica!”.
Danubius ~ Da nubis produz uma monossemia simples, já que é responsável pelo cantão em prata. É bem verdade que a alteração do esmalte da estrela correspondente de ouro em negro também lhe será imputada, mas como consequência secundária da sematização dos traços heráldicos pré-definidos. Como no nível precedente há metonímia redundante: diz não está associado a qualquer traço heráldico mas à própria função parofónica do escudo pelas contiguidades diz > falante > armas falantes, o que de facto são. O segundo termo, nubis, não deixa qualquer lugar a dúvidas, seja pelo sentido, seja pela complementaridade ao que se tinha já averiguado. Definido que estava o tema estelar, nada mais apropriado do que este fenómeno meteorológico para conjugar uma belíssima ordenação heráldica.
A nuvem é branca, convenientemente, e esconde a luz ao “passar” em frente a uma das estrelas, transformando o seu esmalte dourado. Assinalamos, pois, o fenómeno sematizante de oposição entre a luz e a obscuridade. Ademais, a estrela solitária vai colocar-se exactamente no centro do cantão, a condicionar o posicionamento das outras duas, como referido. Percebe-se com clareza a exigência do processo iterativo na génese destes brasonamentos medievais. Não seria possível definir o arranjo das estrelas e da nuvem em duas construções estanques e independentes. O brasonamento estabelece ainda que a estrela deve achar-se sobre o cantão, apesar da semântica demandar o inverso, fazendo-nos entender que nem sempre a descrição expressiva formal será um guia mais adequado para a compreensão do conteúdo subjacente. Creio que será esta a dificuldade capital para que a ciência heráldica liberte-se das interpretações convencionalizadas pelas normativas tardias.
Segundo parece, simboliza-se no desenho outra característica imanente às nuvens, o movimento, talvez em simultâneo com o fenómeno de complementação dos traços heráldicos. A nebulosidade não poderia ocupar todo o campo do brasão: perderia muito da sua força expressiva. Excluímos assim de todo a obstrução das três estrelas. Só a oposição amarelo × negro permite vislumbrar com clareza o enredo que se procura representar. A ocupar apenas um pedaço do campo, um farrapo de nuvem apresta-se a ocultar apenas uma estrela, também no primeiro cantão do esquartelado, como é hábito, aliás, nos brasonamentos. Ao mesmo tempo esta localização provoca o desequilíbrio visual pela assimetria dos espaços cromáticos. O desequilíbrio traduz-se em movimento e vai contribuir à semântica através de outra metonímia: nuvem > movimento > desequilíbrio > assimetria. A opção de usar-se, por exemplo, um contrachefe em branco, deixaria a desejar pela estabilidade implícita.
Sagremor - Armas de Fantasia (III) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Sagremor | ||||||||||
Hidrónimo | M | Danúbio | ||||||||||
Língua de Fantasia | V | Danubius (latim) | ||||||||||
Denominante | A | Danubius | ||||||||||
Grafemização | A | D | A | N | U | B | I | U | S | ||||||||||
Fonemização denominante | A | d | a | n | u | b | iu | s | ||||||||||
Emparelhamento | A | d | a | n | u | b | iu | s | ||||||||||
A | d | a | n | u | b | i | s | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 1,0 | 0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 | 0,5 | 0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,14 | ||||||||||
Fonemização designante | A | d | a | | n | u | b | i | s | ||||||||||
Grafemização | A | D | A | | N | U | B | I | S | ||||||||||
Designante | A | da | nubis | ||||||||||
Acção + Meteorologia | E | diz + nuvem | ||||||||||
Redundância, metonímia simples | S | diz › falante › arma falante | ||||||||||
S | diz | |||||||||||
Monossemia simples | S | cantão | ||||||||||
S | nuvem | |||||||||||
Esmalte | H | De vermelho | ||||||||||
Número | H | 1 | um | |||||||||
Separação | H | farrapo | cantão | |||||||||
Imanência | C | nuvem | ||||||||||
Localização | C | primeiro quartel | ||||||||||
Simetria | C | assimétrico | ||||||||||
Metonímia simples | S | nuvem › móvel › desequilíbrio › assimetria | ||||||||||
Esmalte | H | esbranquiçada | de prata | |||||||||
Imanência | C | nuvem | ||||||||||
Contraste | C | vermelho, negro | ||||||||||
Conectivo | H | cantão + estrelas | e | |||||||||
Número | H | três | ||||||||||
Figuração | H | estrelas de cinco pontas | ||||||||||
Número | H | duas | ||||||||||
Esmalte | H | de ouro | ||||||||||
Conectivo | H | estrelas + estrela | e | |||||||||
Número | H | 1 | uma | |||||||||
Figuração | H | 5 pontas | (estrela) | |||||||||
Preenchimento | C | área do cantão | ||||||||||
Simetria | C | eixo vertical do cantão | ||||||||||
Centralidade | C | diagonais do cantão | ||||||||||
Esmalte | H | obstrução | de negro | |||||||||
Imanência | C | nuvem | ||||||||||
Contraste | C | prata | ||||||||||
Oposição | S | luz × obscuridade | ||||||||||
Localização | H | debaixo da nuvem | no cantão |
(próximo artigo nesta série III/III)
(poderá ler 1º um artigo mais simples aqui ou usar a terminologia / pesquisa)
Tratando-se das armas fantasiosas de um personagem que também não pertence ao domínio das pessoas tangíveis, as considerações históricas não são tão determinantes como em circunstâncias autênticas; isso não quererá dizer que deixem de se ater à realidade. Existem distintas versões que descrevem Sagremor, apenas retemos a mais consensual e que parece corresponder às armas em estudo, decerto devem tê-las inspirado. Sagremor, dito “O Desvairado”[1], “da Hungria” ou “de Constantinopla” era um dos Cavaleiros da Távola Redonda, filho do rei da Hungria e da Valáquia, que tinha vindo à corte do Rei Artur para juntar-se à mãe, Indranes, filha de Adriano, imperador de Constantinopla, entretanto viúva, agora casada com o rei Brangore[2]. Esta escassa biografia é suficiente para que desenvolvamos a nossa análise, tanto mais que no método parofónico devemos, acima de tudo, determinar bem a situação geográfica na génese do brasão. Além disso, Sagremor foi usado por nós como paradigma para o estabelecimento de um limiar comparativo com o objectivo de medir o índice de discrição[3]. Assim este estudo tem o atractivo suplementar de não poder ter sido escolhido em função de uma qualquer conveniência facilitadora da nossa tarefa.
O latim deverá ser a língua mais adequada para activar o processo de verbalização que se nos apresenta. Desconfiamos da capacidade de expressão em húngaro do criador das armas e verificamos mais uma vez a longínqua situação geográfica do tema armorial em relação a este, possivelmente na esfera anglo-normanda ou francesa. A metonímia do referente neste segundo nível semântico recorre ao gentílico dos nascidos na capital húngara ao tempo do Rei Artur, Aquincum, junto à actual cidade de Buda, embora a continuidade de ambas talvez não se verifique. Contudo, o enredo das lendas arturianas é tipicamente contemporânea aos seus autores medievais, daí que Aquincum deva referir Buda, como versão para o latim, e não a própria Aquincum. Penso que Aquincenses não descreva os súbditos húngaros daquela cidade mas, particularmente, a origem familiar de Sagremor. Seria possível usar o singular, Aquincensis, para centrar melhor o foco semântico na pessoa em epígrafe.
O cálculo do índice de discrição não apresenta quaisquer novidades pelo que, desta vez, não justificaremos em pormenor a sua obtenção. As análises anteriores serão suficientes para compreender os procedimentos usados. Apenas observamos que o valor final, k = 0,31, é perfeitamente credível, levando-nos a acolher a hipótese parofónica. Obtida a parofonia Aquincenses ~ Ac quini sentes, passaremos a analisar cada um dos seus termos.
A conjunção aditiva ac (lat. e) não é apenas um artifício parofónico. Na verdade faz depender o conjunto ac quini sentes de outros componentes parofónicos que eventualmente viessem a aparecer. Neste aspecto é uma redundância porque os traços heráldicos dependem, na verdade, do seu próprio processo de sematização. Diga-se que não sabemos qual a ordem original pela qual constituíram-se os traços heráldicos; é admissível que, de um modo geral, fosse um processo repetitivo, ajustando-se a pouco e pouco uma solução satisfatória. O termo quini (lat. cinco cada um) denota não apenas a quantidade cinco mas também que ela diz respeito a mais do que uma figuração. Por inerência sugere que se disponham estes cinco sub-elementos num arranjo, interpretado como um polígono estrelado. Estabelecidos o numeral e a conjunção, seria útil mais concisão no terceiro termo, permitindo determinar algo de substantivo para o desenho do brasão. Isso fez-nos preferir sentes (lat. silvas, espinhos) a sentis (lat. sentes, percebes) ou ao declinado sentus/sentis (lat. espinhoso) ou mesmo ao parofónico censes (lat. contas, avalias).
A etapa de sematização realiza-se por monossemia simples, se bem que não seja perceptível de imediato. Só através da metonímia cinco espinhos › cinco pontas › estrela fica estabelecida uma ligação clara entre o designante e o traço heráldico. A escolha de um tema geométrico ou astronómico em lugar de, por exemplo, um traço vegetalista, uma espora ou um estrepe, poderia nos fazer suspeitar da existência de uma simplificação extremada, habitual na heráldica mais antiga. Não pondo inteiramente de parte este contágio, é de assinalar que o terceiro nível semântico, a estudar no próximo artigo, exige a temática sideral.
Apesar da simplicidade é preciso consignar o efeito dos agentes de complementação, intrínsecos à construção dos traços. Logicamente, há uma simetria radial dos raios estelares e as figuras estão orientadas segundo uma estabilização horizontal, na única posição possível para o “apoio” simultâneo em duas pontas. Mais ainda, cada localização depende fundamentalmente da posição da estrela negra. Esta surge no centro do cantão e a partir daí fica condicionada a posição da segunda estrela, no alinhamento da primeira e a uma igual distância da borda. A terceira deverá colocar-se no eixo vertical, obedecendo também à homogeneidade dos distanciamentos. A disposição em contra-roquete acompanha a forma geral do escudo e por esta mesma razão é sempre a favorita para o arranjo de três figurações, não sendo necessário enunciá-la no brasonamento. Resta manter as proporcionalidades dimensionais pelo preenchimento harmónico do campo e impor a absoluta igualdade das figurações.
Esta versão das armas de Sagremor obedece integralmente à lei dos esmaltes[4]. Será mesmo esta normativa que ajudará a compreender mais tarde a razão da sua escolha. Por agora limitar-nos-emos a reter a ligação do metal dourado das estrelas ao fenómeno luminoso, conexão bem frequente nas análises efectuadas no passado. Também é possível que estas figurações fossem tomadas por planetas, dados a sua dimensão aparente e brilho que tende ao amarelado. Um brasonamento descreve: “de gueules à 2 planètes d'or, au franc-canton d'argent à une planète de sable”[2].
Seria viável usar outros esmaltes como o prateado ou o azul mas a conjugação de todas as cores necessárias ao desenho não o aconselhará. Por outro lado, a presença de uma estrela negra, inexplicável pela imanência luminosa, entende-se perfeitamente ao avançarmos que representa o seu oposto, a escuridão. Este obscurecimento é semanticamente transitório e por isso o segundo nível deverá ser representado por todas as três estrelas em dourado. Por último, referimos que a partir daqui representaremos os traços de outros planos semânticos pela cor amarelo-banana[5], de modo a realçar apenas os elementos pertinentes à discussão.
[1] Tradução livre de desreez › dérangé.
[2] MERLET, Lucien - Coutumes des Chevaliers de la Table Ronde - Mémoires de la Société Archéologique d'Eure-et-Loir - Tomo VI - Chartres - Petrot-Garnier Libraire - 1876.
[3] Por Michel Pastoureau ter sugerido umas armas falantes Sagremor ~ sycomore, a nosso ver no limite da razoabilidade, daí tornar-se num limiar adequado para a aceitação das demais parofonias: “Pour doter Sagremor d’armoiries la solution la plus simple aurait été de lui donner une figure parlante, en occurence un sycomore”, nas Referências Bibliográficas (PASTOUREAU, 1986, p. 25).
[4] Ver, contudo, a versão, quase certamente adulterada, que se menciona em: SCOTT-GILES, Charles W. - Some Arthurian Coats of Arms - Coats of Arms - nº 64-65, 1965/1966 - Baldock: Acedido a 27 de Junho de 2012, disponível em: <http:// www.theheraldrysociety.com>, 2012.
[5] Cor que dificilmente aparecerá nos brasões, evitando-se ambiguidades, e de contraste satisfatório com os esmaltes heráldicos.
Sagremor - Armas de Fantasia (II) | ||||||||||||
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Classificação | ↓ | Descrição | ||||||||||
Armas de Fantasia | R | Sagremor | ||||||||||
Demónimo | M | Budenses | ||||||||||
Língua de Fantasia | V | Aquincenses (latim) | ||||||||||
Denominante | A | Aquincenses | ||||||||||
Grafemização | A | A | Q | U | I | N | C | E | N | S | E | S | ||||||||||
Fonemização denominante | A | a | k | w | i | N | s | e | N | s | e | s | ||||||||||
Emparelhamento | A | a | k | w | i | N | _ | s | e | N | s | e | s | ||||||||||
A | a | k | w | i | N | i | s | e | N | t | e | s | |||||||||||
Coeficiente de transposição | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|0,0 | ||||||||||
Coeficiente de carácter | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0 | ||||||||||
Coeficiente de posição | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0 | ||||||||||
Parcelas | A | 0,0|0,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0|0,0|1,0|0,0|0,0 | ||||||||||
Índice de discrição | A | k = 0,31 | ||||||||||
Fonemização designante | A | a | k | | k | w | i | N | i | | s | e | N | t | e | s | ||||||||||
Grafemização | A | A | C | | Q | U | I | N | I | | S | E | N | T | E | S | ||||||||||
Designante | A | ac | quini | sentes | ||||||||||
Qtde + Geomª + Geomª | E | e cinco + espinhos + cada um(a) | ||||||||||
Redundância | S | existem outros níveis semânticos | ||||||||||
S | e | |||||||||||
Monossemia simples | S | estrelas | ||||||||||
S | cinco espinhos cada uma | |||||||||||
Esmalte | H | De vermelho | ||||||||||
Número | H | um | ||||||||||
Separação | H | cantão | ||||||||||
Esmalte | H | de prata | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | cada, 3 | três | |||||||||
Metonímia simples | S | 5 espinhos > 5 pontas > estrela | ||||||||||
Figuração | H | 5 pontas | estrelas de cinco pontas | |||||||||
Imanência | C | estrela | ||||||||||
Simetria | C | radial | ||||||||||
Orientação | C | estabilidade | ||||||||||
Localização | C | estrela negra | ||||||||||
Disposição | H | 2, 1 | (em contra-roquete) | |||||||||
Imanência | C | constelação | ||||||||||
Preenchimento | C | área do escudo | ||||||||||
Simetria | C | eixo do escudo | ||||||||||
Centralidade | C | abismo | ||||||||||
Número | H | 3 - 1 = 2 | duas | |||||||||
Esmalte | H | luz | de ouro | |||||||||
Imanência | C | estrela | ||||||||||
Contraste | C | vermelho | ||||||||||
Conectivo | H | e | ||||||||||
Número | H | uma | ||||||||||
Esmalte | H | de negro | ||||||||||
Localização | H | no cantão |
(próximo artigo nesta série II/III)